"NOPE" - 2022
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Já li e ouvi muitas teorias e análises sobre o novo filme de Jordan Peele, muitos fãs do diretor dizendo que se trata do pior filme de sua curta carreira ou que seus filmes estão ficando cada vez mais óbvios e menos assustadores ou que simplesmente o criador perdeu o tom. No entanto, sou obrigado a discordar de todos eles.
Na minha humilde opinião, o filme apesar de apresentar um OVNI ou UAPs (Fenômenos Aéreos não identificados) não chega a ser um filme sobre alienígenas, o filme apesar de apresentar um monstro predador não chega a ser um filme de terror, o filme apesar de discutir sobre o tema do racismo não tem ele como premissa principal. O novo filme de Jordan Peele aborda como o cinema americano, mais precisamente Hollywood deforma, rotula, adestra e seleciona o que pode ou não ser captado por suas lentes, criando uma narrativa muito específica de como deve ser retratado e refletido o mundo. Como um amigo meu sempre fala, o cinema hollywoodiano nunca esteve interessado em entreter ou enriquecer a cultura do público, tendo como única finalidade escoar a produção de milho através da venda de “pipocas”.
O filme se inicia com um prólogo macabro onde um chimpanzé golpeia violentamente os colegas de elenco humanos num set de filmagem de um sitcom da TV de décadas passadas, cenas que se repetem revelando novos pontos de vista durante o desenrolar da narrativa.
Uma elipse transporta o espectador para a época atual num sítio de propriedade dos Haywood nos arredores de Los Angeles, mais precisamente em Aqua Dulce, onde uma família adestra cavalos para filmagens publicitárias e de cinema. Os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) assumem os negócios do pai após sua morte. No entanto, tanto o calado OJ quanto a espevitada e extrovertida Em não são capazes de manter a antiga clientela do pai e acabam tendo que recorrer a venda de seus cavalos para um parque temático de diversões Jupiter’s Claim, administrado por Jupe (Steven Yeun), um ex-ator mirim de sitcoms para a TV.
Se por um lado as duas tramas apresentam alguns pontos de intersecção, seja pela presença de Jupe com componente do elenco da trágica série de TV ou pelo uso controverso de animais selvagens domesticados em sets de filmagem, eu realmente demorei algum tempo para perceber o tipo de metáfora criado pelo diretor nas duas tramas.
Otis Haywood (Keith David) pai de OJ e Em, faleceu vítima de um inusitado incidente onde moedas em alta velocidade vindas do céu perfuraram seu crânio. A campanha publicitária do filme nunca fez esforço em esconder a presença de elementos ufológicos ligados a série. Então constantemente ficamos a espera de quando o “maldito’ disco voador irá aparecer e isso não tarda em acontecer, mas não se concretiza exatamente como o público está acostumado a assistir. Por tanto, Jordan Peele não faz nenhuma questão de fornecer ao público o que ele esta acostumado a perceber.Os irmão falidos iniciam uma jornada para captar belas e convincentes imagens sobre os fenômenos voadores locais e para tanto são ajudados pelo tecnológico Angel (Brandon Perea) que vendeu e instalou os equipamentos de câmera de vigilância.
Conforme os cavalos do sítio vão desaparecendo, os shows comandados por Jupe em seu parque vão se revelando e o objeto voador vai se expondo para as câmeras de OJ, vamos percebendo que o objeto voador não é exatamente um disco voador e que os animais não vão sendo apenas abduzidos.
As descobertas dos irmãos sobre o objeto após um trágico evento durante um show de Jupe, levam eles a acreditarem de o objeto na verdade seja uma espécie de animal voador, um predador territorial sedento por carne humana. Informação está que presente em qualquer outra narrativa de filme de gênero já seria suficiente para todos os personagens entrarem em pânico e fugirem, mas que para os dois irmãos despertam ainda mais o desejo de domar o ser alienígena e retratá-lo e enquadra-lo através de suas lentes.
A teoria de OJ de que a criatura somente captura as presas que ousarem direcionar seu olhar para ela é fantástica, quase como que se o alienígena selvagem precisasse seduzir e enfeitiçar suas presas.
O confronto final entre a criatura e os ambiciosos paparazzis brinca com vários elementos cinemáticos, desde a figura do jornalista freelancer com capacetes espelhado até o documentarista apaixonado que arrisca sua vida pela imagem perfeita.
A criatura em sua perseguição pelo olhar de suas presas se desdobra deslumbrantes formas tridimensionais, que por vezes se assemelha a imensas velas de uma embarcação, outras velame de um paraquedas, medusas ou agua-vivas voadoras que após hipnotizarem seus espectadores abrem um imenso diafragma que capta física e mentalmente a essência de suas vítimas. Replicando o movimento de uma câmera fotográfica que drena um fragmento de realidade do plano enquadrado recortando o mundo em planos e direcionando o olhar do espectador. Magnífica a metáfora com os enquadramentos das fotos da criatura através do túnel do poço no final do filme.
As atuações magníficas do elenco escolhido a dedo para representar as minorias pouco representados e estereotipadas pelo cinema hollywoodiano. O diretor selecionou atores que vem se destacando e sendo premiados em grandes festivais graças aos movimentos intrínsecos gerados pelas críticas externas, o oscarizado Daniel Kaluuya ou o indicado Steven Yeun. Não podemos deixar de citar a presença de uma atriz de origem brasileira do filme, Barbie Ferreira (Euphoria) como uma colega de trabalho de Angel.
Toda essa imensa volta e muitas digressões para afirmar que a tal criatura alienígena representa o cinema hollywoodiano que devora, mastiga e homogeneiza os sonhos e mentes dos espectadores, além de direcionar o olhar para enquadramentos e construções de arquétipos sobre as minorias étnicas, criando uma política social e artística que segrega e potencializa uma racismo e preconceito histórico e estrutural.
O diretor usa os animais domados utilizados durante as filmagens como metáforas para esses arquétipos das minorias étnicas, por isso a identificação entre o chimpanzé Gordy e o personagem de Jupe na série (o oriental cômico em meio a uma família branca) ou o pavor e a fúria gerada nos “animais" pela visão de sua imagem construída refletida nos espelhos da filmagem. Além é claro da brincadeira com a própria criatura alienígena que ganha contornos de discos voadores conforme o olhar de quem a enxerga, pois a final o público adestrado aprendeu a reconhecer como real apenas o que lhe é apresentado como padronizado através das imagens. Quase como aquele brinquedo de criança no qual você encaixa as figuras geométricas dentro das lacunas, nada que fuja da forma esperada ou que tenha algum tipo de incompatibilidade será aceito como normal, devendo ser descartado ou ignorado.
Tudo isso sem falar ainda da utilização dos subgêneros clássicos do cinema americano, seja no western que transformou durante anos a população indígena nativa americana em figuras selvagens que escalpelava o bondoso homem branco europeu, os filmes de ficção científica com extraterrestres que transformava qualquer tipo de vida alienígena em uma ameaça invasora ou os típicos filmes de monstros que transformam os mais diversos animais da natureza em monstros sedentos por perseguir e devorar seres humanos.
Para finalizar, o resgate de uma das primeiras série de imagens a trazer a noção de movimento dos primórdios do cinema apresentando o galopar de um cavalo sendo cavalgado ironicamente por um homem negro. A imagem que conseguiu provar que ao contrário do que as pessoas pensavam na época, durante o galopar do animal existem algumas frações de segundo nas quais nenhuma das quatro patas estão apoiadas no solo, dando a fulgaz e ilusória impressão do animal estar flutuando. Uma realidade comprovada pela captação da imagem mas que sugere um fato ilusório. Algo para se pensar na época de hoje.
Crítica por: Fabio Yamada.
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