Crítica: Men

"MEN" - 2022

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O novo filme do brilhante criador Alex Garland é um pesadelo aterrorizante e escatológico que põe em evidência os traumas e temores que circundam o universo feminino, que ao clamar ou sonhar com uma relação amorosa nunca sabe ao certo que tipo de monstro despertará do outro lado. 

Independente das várias questões e metáforas criada pelo diretor durante o filme, uma idéia não saia da minha cabeça, a maldita frase escrita e eternizada por Antoine de Saint-Exupéry no livro “O Pequeno Príncipe” - “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Até quando, os homens, principalmente, vão usar o amor como justificativa pelos atos mais escabrosos da humanidade e, ou a religião, vai culpar a mulher por ter comido do fruto proibido.

Deixando de lado um pouco, as minhas elocubrações, a história tem como protagonista Harper (a maravilhosa Jessie Buckley) que viaja até uma casa de campo nos arredores de Londres para se curar de um trauma. Ela vivia algum tipo de relação tóxica com seu marido James (Paapa Essiedu) e ao tentar se separar, recebeu como ameaça a tradicional chantagem de que ele se mataria caso eles terminassem e que isso permaneceria para todo o sempre em sua consciência, a culpa por ele ter se suicidado. Essas informações vão sendo pinceladas durante os filme através de flashbacks, sonhos ou alucinações da nossa sofrida protagonista, que luta de todas as formas para se livre desses pensamentos de culpa, recusando-se a assumir esse papel.

Na bela e isolada casa de campo, Harper é recebida pelo personagem tragicômico de Geoffrey (Rory Kinnear brilhantemente multifacetado), que realiza um tour pela propriedade, ao mesmo tempo em que tenta saber um pouco mais da hóspede, perfazendo um tipo inofensivo de assédio.

O único contato real de Harper com o resto do mundo se dá através de video-chamadas com sua amiga Riley (Gayle Rankin) que tem conhecimento de toda a tragédia sofrida recentemente pela amiga e que não se conforma com seu isolamento social.

Após um passeio, aparentemente inocente de Harper pela propriedade, ela se perde um pouco no caminho e chega até um túnel de pedra escuro e comprido, que tem a surpreendente propriedade acústica de ecoar os sons vocalizados. De alguma forma, os gritos ou cantos de Harper despertam um vulto na outra extremidade do túnel que a persegue até a sua casa. Conforme a estranha criatura se aproxima de Harper e da câmera, percebemos tratar-se de um homem completamente nu, com a tonalidade da pele que varia entre um amarelo ictérico até um verde marciano. Intrigantemente, descobrimos que um dos policiais que vem acudir Harper que tem sua casa invadida pelo homem nu, também tem as feições semelhantes a do intruso e do jardineiro Geoffrey, todos esses personagens interpretados por Rory Kinnear.

Durante uma nova incursão pela cidade, Harper encontra um adolescente agressivo que a xinga e acaba sendo ajudada por uma padre cabeludo, que durante um sermão acaba acusando Harper de ser culpada pela morte do marido, ambos os personagens tem feições parecidas e novamente interpretados pelo mesmo ator. No entanto, o mais inusitado dessas situações é o fato da protagonista não perceber ou, simplesmente, desconsiderar essas sinistras semelhanças. Denotando, uma evidente intenção do diretor de não tratar a situação com realismo, usando esse recurso como uma metáfora para uma masculinidade tóxica que permeia todos os cantos da sociedade.

A sensação de isolamento e paz da personagem dentro da casa ou em seus passeios pela floresta se contrapõem em relação a tensão e apreensão geradas por seus encontros sociais com personagens do gênero masculino, todos eles interpretados pelo mesmo ator e que de alguma forma agridem, assediam, culpam ou encurralam a protagonista. Uma metáfora para o estado de vigília permanente no qual vivem as mulheres em nossa sociedade, sempre a espera da próxima ameaça ou monstro que surgirá ao virar a esquina. 

A inesquecível e escatológica cena final do filme, além de sugerir a óbvia replicação desse modelo de masculinidade tóxica que testemunhamos por várias gerações consecutivamente, aventa a hipótese de como seria uma sociedade onde os homens fossem responsáveis pela geração e gestação da vida. A figura desse homem com abdome gravídico que se replica por algum tipo de brotamento, escarrando, evacuando ou defenestrando outro ser vivo com as mesmas deficiências ou deformações físicas ou de caráter de forma cíclica e irrefreável torna-se uma experiência visual aterrorizante, mas ao mesmo tempo monótona e repetitiva se comparada as atrocidades que testemunhamos ou tomamos conhecimento na vida real.

Um filme de difícil compreensão e digestão para aqueles inconscientes ou insensíveis às insidiosas intermináveis violências acometidas contra as mulheres que muitas vezes tem que se contentar com monstros abomináveis travestidos com a palavra amor.

Crítica por: Fabio Yamada.

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