"EVERYTHING EVERYWHERE ALL AT ONCE" - 2022
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Uma deliciosa e harmônica combinação de quase todos os gêneros cinematográficos numa única produção capitaneada por uma talentosa dupla de criadores/ diretores, Dan Kwan e Daniel Scheinert.
É muito difícil se deparar com um tipo de filme que consegue cativar e deslumbrar o espectador em todos os sentidos, seja pela inteligência e profundidade do roteiro, pela beleza e força das imagens e pelo talento e emoção das performances dos atores. Além de tudo isso o filme ainda consegue brindar o público com referências cinematográficas de diferentes estilos e filmes da história do cinema.
Eu, geralmente, não sou muito fã dos filmes de comédia, no entanto, fui seduzido pela obra dessa dupla que já havia realizado outro belo filme do gênero, “Swiss Army Man” de 2016, onde Paul Dano perambula com o cadáver de Daniel Radcliffe nas costas.
A história do filme, já começa num ritmo meio acelerado, com um diálogo entre os dois protagonistas Evelyn (Michelle Yeoh fantástica) e Waymond (Ke Huy Quan, o garoto de boné de “Indiana Jones e o Templo da Perdição” e de “Os Goonies”), o casal de imigrantes chineses conversam sobre vários temas mesclando as línguas chinesa e inglês com sotaque nos fundos de sua lavanderia. Evelyn tenta dar conta dos clientes, da festa do pai Gong Gong (James Hung), do marido bondoso e atrapalhado que deseja pedir o divórcio, da filha Joy (Stephanie Hsu) e sua namorada Becky (Tallie Medel).
Uma discussão de Evelyn com Joy sobre sua homossexualidade e um incidente com a declaração de imposto de renda que obriga a família a comparecer aos escritórios da secretária da fazenda culminam com a fragmentação da realidade ou do universo de Evelyn. Durante uma audiência com a fiscal Deidre (a maravilhosa Jamie Lee Curtis), a protagonista acaba sendo recrutada pelo marido, incorporado pelo Waymond do multiverso, para lutar contra uma entidade maligna, o Jobu Tupaki. Segundo o agente, a Evelyn desse universo, que trabalha na lavanderia é a única com o poder de incorporar todas as outras versões dela do multiverso e utilizar seus talentos para destruir a entidade.
Os recursos cinematográficos que os diretores se utilizam para fragmentar a personagem e demonstrar sua viagem pelos inúmeros universos e variações de vida da protagonista são maravilhosos. O talento de Michelle Yeoh em caracterizar suas múltiplas versões e ainda ter o carisma e agilidade para filmar as lutas marciais incríveis e absurdas são de tirar o fôlego.
Impossível se conter diante do humor nada convencional do roteiro, com suas ousadias e exageros. A originalidade das versões da protagonista chega ao absurdo de colocar dois seres inanimados para conversar. Fora as maravilhosas referências cinematográficas com homenagens a “Kill Bill”, “Matrix" e ao cinema de Wong Kar Wai.
No entanto, nenhuma dessas deliciosas combinações passando pela comédia escrachada, filmes de artes marciais, suspense, terror, romance e drama seria suficiente para arrebatar o público e a crítica se não fosse pelo arcabouço de um belo e complexo roteiro. Uma história que apesar de pegar carona na moda dos multiversos consegue criar uma metáfora sobre o mundo atual, onde apesar ou justamente por causa de tanta informação e tantas possibilidades, a vida acaba perdendo o sentido.
A infinidade de possibilidades e escolhas que temos durante a vida, que invariavelmente nos levam a mesma sensação de insatisfação e incompletude. Uma globalização e exposição de informações, verdadeiras ou falsas, que demonstram um amplitude de desigualdade social, assassinatos, violência, destruição, medo e fome, que dessensibilizam e anestesiam cada vez mais as pessoas. Criamos aparelhos portáteis de moer gente, uma janela que permite espiar as piores desgraças e mentiras que, com a desculpa de liberdade de expressão, transformam a todos em seres brutalizados e alienados.
Essa mesma janela que despeja esse mar de desgraças com direitos a infernos personalizados, desvalorizando e esvaziando a vida real, tenta vender um pedacinho do céu no mundo virtual, onde cada consumidor poderá desfrutar de versões sob medida de seus paraísos artificiais. Primeiro você cria a demanda, destruindo e pervertendo a realidade, para depois vender um produto, uma versão melhorada da sua vida real só que virtual.
Crítica por: Fabio Yamada.
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