Crítica: Baby

"BABY" - 2020

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Um belo e ousado filme espanhol sobre os estranhos caminhos e escapismos da maternidade. Um tema considerado sagrado e recheado de normas de comportamento rígidas que não permite variações de sentimento ou expectativas, condenando veementemente aquele que ousarem qualquer desvio de conduta que ameace o limiar do aceitável.

O prodígio diretor espanhol Juanma Bajo Ulloa, que venceu a Conha de Oro no Festival de San Sebastián em 1991 com apenas 24 anos de idade ao dirigir o filme “Asas de Mariposa”, constrói um filme recheado de citações e homenagens a contos de fadas, como a casa da bruxa de “João e Maria” ou o universo de “Alice nos País das Maravilhas” ou até indo um pouco mais longe “A Bela Adormecida”. Tudo isso, numa produção com direção de arte, fotografia e cenografia fabulosa com um detalhe impar de escolha narrativa, o filme não tem nenhum diálogo. Possui trilha sonora, efeitos sonoros e captação de sons, mas consegue transmitir toda a história de seus personagens sem construir de nenhum diálogo verbalizado.

A trama segue a trajetória de Neska (Rosie Day) uma jovem grávida que perdeu os pais e mora sozinha em um apartamento na cidade. Ela torna-se mãe solteira e sem trabalho, que vive se drogando e bebendo. As vezes, ela se lembra que existe um bebê na casa, que encontra-se imunda, sem comida e por vezes sem água. Incapaz de fornecer o leite materno para a criança, a única coisa que consegue acalmar o filho e fazer ele parar de chorar é uma estranha chupeta com base em madre-pérola.

Após gastar todo o dinheiro com a traficante local que lhe fornece as drogas, Neska decide vender seu bebê. Uma vizinha fornece o telefone de uma senhora que paga uma boa quantia por crianças recém-nascidas. Durante a transação à beira de um silencioso lago com águas calmas, Neska se depara com a dupla de mulheres formada pela bem vestida senhora Emakumea (Harriet Sansom Harris) e sua protegida, uma jovem masculinizada com a pele muito clara, Albinoa (Natalia Tena). A estranha senhora aprecia o bebê como se estivesse comprando uma fruta, apalpando e sentido os odores da criança. As duas mulheres partem com a criança deixando uma grande soma em euros para a jovem e solitária mãe.

Neska retorna para sua antiga rotina de consumo de álcool e drogas, mas agora sem a criança para atrapalhar. No entanto, ela não consegue suportar o vazio que ficou após vender seu filho e retorna ao local da troca sem sucesso. Desesperada, ela tenta submergir e desaparecer nas tranquilas e plácidas águas do lago. Sem sucesso, ela retorna a superfície e acaba se deparando com uma trilha formada pelos morangos que foram devorados vorazmente pela compradora de bebês.

Neska após seguir escondido Albinoa encontra uma sinistra casa em ruínas com os cômodos invadidos por galhos e raízes das árvores ao redor. Na casa, moram as duas mulheres que compraram o bebê de Neska e mais uma garota que vive fantasiada pela casa. Ao adentrar na casa, Neska encontra seu filho acomodado em um sombrio ninho feito com galhos e folhagens. 

A atmosfera claustrofóbica e sombria da casa transformam a brincadeira de esconde-esconde entre as personagens femininas num verdadeiro labirinto operístico, onde temos a nítida impressão que as moradoras tem plena consciência da presença da, nem tão ameaçadora assim, invasora.

A partir desse ponto, a história ganha outros contornos mais sinuosos, que alguns podem achar perigosos ou sem propósitos, mas que ao meu ver são extremamente poderosos e assustadores, na construção de personagens que fazem alusão ao conceito moderno de um covil de bruxas, que ao invés de sacrificar bebês em seus rituais, apenas traficam essas crianças para mulheres que não conseguem ser mães. Além disso, o diretor tem a ousadia de expressar várias manifestações ou estilos diferentes de relações maternais entre essas personagens, mas todas elas de alguma forma corrompida pela realidade nas quais as personagens estão inseridas. A maternidade, como qualquer outro fenômeno da natureza, nem sempre precisa ser considerada uma benção e o tal instinto materno não transforma ninguém em uma super-heroína, podendo muita vezes transformar-se numa prisão e fonte de amarguras sem fim.

Crítica por: Fabio Yamada

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