Crítica: Iluminadas

"ILUMINADAS" - 2022

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É realmente deslumbrante quando assistimos um filme ou uma série que se utiliza de efeitos especiais e da montagem, todos os artifícios que o cinema permite, para criar uma metáfora criativa e iluminada de sentimentos, emoções e transformações internas que não seriam visíveis no mundo real.

Na história acompanhamos a vida de Kirby (Elisabeth Moss maravilhosa sempre) que trabalha como arquivista em um jornal, que ao se deparar com o caso de um corpo de uma garota retalhado, tem sua rotina de vida abalada a ponto de transformar sua realidade. O corpo da garota apresenta cicatrizes semelhantes as de seu próprio corpo, que sofreu um ataque ao qual ela sobreviveu, mas deixando muitas sequelas psicológicas.

Kirby começa a investigar o caso seguindo as pistas de um repórter do jornal, Dan Velazquez (Wagner Moura comovente). Ele tenta retomar sua carreira após um período conturbado em sua vida, onde chegou a ser internado por seu vício em álcool. Aos poucos Dan vai ganhando a confiança de Kirby, revelando o ataque do passado e os distúrbios que enfrenta em sua realidade em constante mutação.

Ela nunca sabe distinguir o que é real ou não em sua vida, pois tudo se modifica constantemente, as pequenas coisas ao seu redor, relacionamentos, o endereço em que mora, sua aparência e profissão. Tudo é passível de mudança, a realidade se transforma de fora para dentro desde o ataque. Uma bela metáfora para como uma vítima de ataque violento se enxerga após o trauma. 

A identidade do assassino já é revelada logo nas primeiras cenas, Harper (o hipnotizante Jamie Bell) persegue suas vítimas, torturando-as psicologicamente a ponto de acreditarem estar ficando loucas e depois abre seus ventres deixando sempre algum objeto em seu interior.

Dan estabelece uma relação de confiança com Kirby, amparada paradoxalmente sobre o estigma da falta de confiança de todos os outros, afinal ambos foram internados por motivos diferentes, justamente por estarem fora de suas capacidades mentais. Ele porque se intoxicava para fugir da realidade a sua volta e ela porque a realidade a sua volta se transformava conforme sua auto-imagem e auto-confiança se deteriorava. Somente um ‘alucinado” (iluminado) para acreditar em outro “alucinado”.

Independentemente de como os acontecimentos se desenrolam, com suas explicações ou não-justificativas realistas de como os fenômenos sobrenaturais acontecem, as belas metáforas sobre  os efeitos de traumas psicológicos e emocionais afetam o nosso conceito de realidade são magníficos. Afinal, cada um de nós apreende e percebe a realidade a sua volta através do sentidos e esses sentidos podem ser potencializados ou avariados neurologica ou psicologicamente modificando a nossa percepção. 

Um trauma pode afetar por completo todos os campos de nossa vida, sejam eles no campo dos relacionamentos afetivos, profissionais, auto-estima e autoconfiança. Passamos a enxerga o mundo e a nós mesmo de forma diferente, consequentemente o mundo também passa a nos enxergar de forma diferente. 

Outras vítimas do assassino vão sendo reveladas com o decorrer da história, a dançarina Klara (Madeline Brewer), a advogada Madrigal (Karen Rodriguez) e a astro-física Jin-Sook (Phillipa Soo), cada uma especial e proeminente em sua área de atuação. O assassino tenta e consegue na maior parte das vezes apagar a luz de cada uma delas, implodindo suas vidas de dentro de para fora, como se tentasse culpar as próprias vítimas pela agressão. Uma perversa e sombria metáfora para o que acontece na realidade com as mulheres que ousam denunciar ou revidar as agressões sofridas. Cada uma dessas mulheres tem suas narrativas e vidas destorcidas por uma sociedade machista que inacreditavelmente ainda protege e aplaude o agressor. Somente uma sociedade que enaltece a violência, a guerra e as armas tem a capacidade de não enxergar a realidade a sua volta, vangloriando agressores criminosos e culpando as vítimas pelos traumas sofridos.

Crítica por: Fabio Yamada.

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