Crítica: A História da Eternidade

"A HISTÓRIA DA ETERNIDADE" - 2014

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Um maravilhoso filme premiado no extinto Festival de Paulínea que tenta retratar o eterno e famoso Sertão Nordestino de uma forma poética como nunca antes vista.

Todos os elementos dos filmes que retratam a região estão lá, o sertanejo macho e ogro, o artista sonhador e relegado, a donzela submissa, a viúva em luto, o sanfoneiro alegre, a avó carinhosa e o filho (ou neto) pródigo. No entanto, nada é o que realmente aparenta ou se o é, cada elemento interage com o seu meio e os elementos que estão ao seu redor de uma forma completamente inovadora mas ao mesmo tempo igual. Como se o tempo não passasse no sertão, os elementos se modificam e suas ações progridem, mas o resultado continua sempre o mesmo, como se nunca houvesse uma saída real para aquela situação.

O diretor Camilo Cavalcante lança esse seu olhar poético para o sertão, diferente daquele olhar realista de Nelson Pereira dos Santos ou alegórico de Glauber Rocha, mas consegue construir um filme rico em diferentes camadas, cores e sonoridades. Um filme que consegue emocionar, deslumbrar e fazer pensar tudo junto ao mesmo tempo, sem nunca abrir mão do apuro estético de seu cinema, muito seguro do que deseja mostrar e qual parte exata do espectador deseja atingir com cada fotograma, gesto de seu personagem ou nota musical.

As histórias de amores e desamores de Querência (Marcelia Cartaxo), Alfonsina (Débora Ingrid) e Das Dores (Zezita Matos) se entrelaçam como num ballet ao som da incrível mistura sonora da sanfona de Dominguinhos com os maravilhosos acordes musicais de Zbigniew Preisner (o responsável pelas trilhas fantásticas dos filmes de Krzysztof Kieslowski e Agnieszka Holland).

Querência acabou de perder um filho, cujo funeral pode ser visto em um belíssimo plano sequência no início do filme e agora tem que decidir se corresponde ou não ao interesse amoroso de Aderaldo (Leonardo França) um sanfoneiro cego que insiste em tocar sua música à beira de sua janela.

Alfonsina é a única filha de Nataniel (Claudio Jaborandy) que vive em meio do universo machista de seus irmãos. O tio João (Irandhir Santos, maravilhoso) é o único elemento em sua família que lhe proporciona uma válvula de escape desse universo, uma maravilhosa visita ao mar através da arte, uma tela de cinema invisível em meio ao sertão.

Das Dores (Zezita Matos) recebe a visita de seu neto Geraldo (Maxwell Nascimento), um jovem de cabelos tingidos de loiro, brincos na orelha e tatuagem que vive com o resto da família em São Paulo. O neto desperta sentimento conflitantes e latentes a muito tempo sepultados no corpo e alma da velha senhora e que agora tem que ser apaziguados à luz ou à sombra de sua religião.

Tudo culmina com uma anti-climática tempestade em meio ao sertão desértico, que prenuncia grandes transformações para logo depois chegar aos eternos e cíclicos resultados da história desses personagens. Histórias permeadas por preconceitos, repressão e violência. A chuva que em alguns filmes representa a redenção dos personagens, como a chuva de sapos em “Magnólia”, aqui esse universo cíclico de um labirinto sem saída me lembra o filme “Antes da Chuva” do maravilhoso Milcho Manchevski. Este filme guarda muitas semelhanças com a obra de estréia de Camilo Cavalcante, seja pelo universo árido, a fotografia e cenografia deslumbrante ou pelo ciclo de violência, com uma pequena diferença, o momento retratado pelo diretor macedônio corresponde a um período de guerra e o filme do brasileiro o de uma suposta paz eterna.

O filme termina com um olhar empático entre as três personagens femininas que formam uma pequena triangulação, todas elas viveram histórias de amores com resultados completamente diversos, mas ainda mantém a cabeça erguida e um sorriso otimista no rosto como se estivessem olhando para um mar de possibilidades.

Crítica por: Fabio Yamada. 

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