"CANDY" - 2022
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O gênero de filmes e séries True Crime sempre faz muito sucesso com o público em geral, seja na forma habitual dos documentários com fragmentos de reconstituição de fatos reais ou pelas produções de ficção inspiradas em fatos reais.
Os grandes serviços de streaming usam e abusam desse gênero, vide os grandes sucessos de crítica e público como “American Crime Story” de Ryan Murphy que usou três episódios chocantes, o assassinato da ex-mulher de O.J. Simpson, o assassinato de Gianni Versace e o assédio sexual do ex-presidente americano, para construir narrativas seriadas criativas e envolventes.
No Brasil, este gênero existe há muito tempo, seja nos programas radiofônicos do tipo Gil Gomes que mais tarde deram origem os podcast de sucesso como “O Caso Evandro” ou por programas jornalísticos de TV de grande audiência popular com “Aqui e Agora”. No entanto, um programa que marcou época na TV ao reconstituir crimes reais foi o “Linha Direta” com casos semanais.
Essa minissérie criada por Robin Veith não almeja somente reconstituir um famoso e chocante crime ocorrido em 1980 no Texas, onde uma vizinha matou a outra com golpes de machado. Ele consegue recriar toda uma atmosfera, ficcionalizando um fato real, cujo resultado pode ou não corresponder exatamente aos fatos ocorridos. Mesmo por que, o que está em evidência na série exatamente o assassinato em si ou quem matou ou não a vítima. O verdadeiro charme da série está nas questões que podem ser levantadas sobre o que motivou o conflito, as demandas sexuais e afetivas daquelas mulheres e como o mundo a sua volta absorveu e julgou essas questões.
No entanto, seria muito ingênuo da nossa parte, acreditar que o criador da série teve acesso a todos os fatos, emoções e pensamentos dos personagens envolvidos. A série é um produto de ficção que através das nuances dos personagens e dos acontecimentos envolvem e guiam o espectador por uma travessia com um objetivo bem mais complexo do que apenas absolver ou inocentar a nossa doce Candy.
A série conta os eventos que antecederam o assassinato de Betty (Melanie Lynskey, maravilhosa) numa sexta-feira 13 junho de 1980, por Candy (Jessica Biel, surpreendente), que desferiu 41 golpes de machado contra sua vítima, sendo 28 somente na cabeça. Candy e Betty residiam próximas uma da outra na cidade de Fairview e se conheceram nos cultos da igreja local.
Betty era casada com Allan (Pablo Schreiber) com quem tinha uma filha adotiva e um bebe, além de estar grávida de outra criança. Candy era casada com Pat (Timothy Simons) com que teve dois filhos. Ambas tornaram esposas frustradas por diferentes motivos, mas aparentemente com resultados semelhantes, baixa auto-estima e depressão. No entanto, cada uma resolveu agir da sua forma, enquanto Betty resolveu aumentar a família, seja adotando mais crianças ou engravidando, Candy tomou uma atitude mais radical e começou a ter um caso extra-conjugal com o marido de Betty.
Não vale a pena, ficar descrevendo aqui os eventos reais ou as liberdades artísticas do roteiro. O interessante a observar é que nenhum fato real está dissociado do mundo a sua volta. Nossas ações são decorrentes das ações dos outros e impulsionam as reações mais adversas. Numa sociedade, ninguém vive incólume. Num laboratório científico, podemos isolar um evento, dissociando ou desconstruindo qualquer interação ou influência do meio externo. Na vida real, isso realmente não existe.
Os conceitos de moral e ética variam conforme local e época, por isso colocar juízo de valor sobre o que a sociedade encara como certo ou errado é pura hipocrisia. O assassinato em si, seja realizado com um machado ou uma arma qualquer, vai ser sempre um crime. Se foi planejado ou não, se foi ocasionado por momento de pura emoção ou em legítima defesa, muitas vezes nem chegaremos próximos da verdade. No entanto, o mais interessante aqui é o que levou o júri, a imprensa e o público a escolherem um lado ou outro. Quais são as nuances em jogo que tensionam a acreditarmos numa história ou na outra? Quais são os fatores que podem influenciar ou manipular as nossas emoções e julgamentos? Esses fatores e essas narrativas se modificam com o tempo? Quem ou o que dita os parâmetros da nossa elasticidade moral?
Crítica por: Fabio Yamada.
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