Crítica: X

X - “2022"

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O diretor Ti West comprova que pode-se realizar um autêntico filme de terror slasher de boa qualidade, que além de apresentar um roteiro inteligente, bela fotografia e montagem, atuações convincentes, belas homenagens e citações cinematográficas, entregar ao final de tudo um maravilhoso e aterrorizante banho de sangue.

O filme já começa com uma cena de um carro de policia chegando a uma casa afastada no campo com corpos espalhados pela grama e sangue fresco no assoalho e paredes. Onde o único som diegético revela-se ser um discurso de um fanático religioso proveniente de um aparelho de TV. O primeiro plano dessa cena já sugere uma brincadeira metalinguística do diretor com o portão aberto de um celeiro recortando a cena externa a luz do dia como se fosse um velho 16 mm.

A próxima cena localiza o espectador no ano de 1979 com jovens entrando dentro uma van a caminho de uma propriedade rural no Texas e parando em um posto de gasolina. O assustador e enigmático atendente dá lugar a uma recatada garota loira, um pouco acima do peso, assistindo a um programa religioso na TV. As duas cenas inicias realizam uma bela homenagem a franquia “O Massacre da Serra Elétrica” de Tobe Hooper.

Os inocentes jovens a procura de diversão e desventuras amorosas e sexuais dão lugar a um amadora e restrita equipe de filmagem de filmes pornográficos. Wayne (Martin Henderson) é o produtor ambicioso e esperto mas com bom coração. Bobby-Lynne (Brittany Snow, fantástica) é a atriz pornô experiente e debochada e Jackson (Kid Cudi) é o ator pornô bem-dotado. RJ (Owen Campbell excelente) é o diretor iniciante que ambiciona criar um filme “sujo" pornográfico de boa qualidade, que leva a recatada namorada Lorraine (Jenna Ortega surpreendente) para captar o som. Além é claro da estrela do filme e namorada do produtor Maxime (Mia Goth deslumbrante) que rouba o filme quando entra em cena, seja no filme real ou no pornográfico.

Ao chegar a propriedade rural, temos o primeiro embate entre o proprietário Howard (Stephen Ure) e Wayne, com o velho desmemoriado apontado um rifle e o acusando de invadir sua propriedade. A equipe de filmagens se hospeda na casa anexa de hóspedes próxima a casa central, sem informar as verdadeiras intenções do grupo para os proprietários, que não fazem questão de esconder o desapreço com os novos hóspedes.

As filmagens já se iniciam com uma ousada cena de nudez e sexo com matiz fotográfico dos filmes eróticos dos anos setenta, até os planos e as montagens são bem fiéis aos clássicos pornográficos. Os olhares libidinosos da equipe de filmagem prenunciam as maravilhosas discussões que se desenrolarão a respeito de liberdade sexual, discursos hipócritas e o poder avassalador e perturbador do desejo. 

Enquanto o restante da equipe de filmagem se esforça bastante para criar cenas bem feitas, Maxime decide dar um passeio pela paisagem bucólica da fazenda, sem perceber que está sendo observada de perto por alguns personagens sedentos pelo seu corpo, seja ele um imenso crocodilo no lago ou a carente esposa de Howard, a ex-bailarina Pearl.

O encontro entre as duas personagens que se identificam uma com a outra, cada uma a sua forma, seja uma desejando a beleza e a juventude da outra, ou uma renegando e desprezando uma velhice assustadoramente inevitável. 

As filmagens que em momento algum se preocupam em ser ocultadas do velho casal, despertam em Pearl um desejo sexual avassalador, mas que mais a frente descobriremos que nem tão contido assim, apesar do marido não satisfazer suas necessidades por problemas cardíacos. Enquanto o desejo permanece na esfera mental ou imaginária, tudo continua em seu devido lugar, assim como enquanto assistimos um filme. No entanto, a partir do momento em que os personagens transformam seus desejos em ação ou toque, tudo desmorona ao redor, seja pelo diretor que se contorce de ciúmes ou pelo objeto de desejo que se retrai em repulsa. 

Quem são os verdadeiros hipócritas dessa história? A partir de que momento o desejo sexual se transforma em violência? Quantas formas existem para saciarmos esses incontroláveis ímpetos sexuais? Serão o desejo sexual e o medo equivalentes em poder de transformação ou manipulação? O sexo realmente é tão perturbador que é capaz de despertar tal violência de repressão?

Um filme perturbador tanto pelas reflexões instigadas, quanto pelas cenas sanguinárias do terço final, com direito a banhos de sangue que tingem a tela de vermelho, mutilações, cabeças explodindo e olhos enucleados, além é claro de um lanchinho para o reptiliano do lago. 

A brincadeira ao final, com um personagem voltando a equiparar filmes de terror com pornográficos é muito interessante. Afinal, quem somos nós para dizermos que não se pode produzir um filme pornográfico, ou melhor de terror slasher de qualidade.

Crítica por: Fabio Yamada.

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