"O MUNDO DE KANAKO" - 2014
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Mais um belo exemplar do cinema japonês dirigido por Tetsuya Nakashima que constrói uma complexa redes de narrativas não lineares para compor o mosaico da personalidade e da vida da personagem do título do filme.
No entanto, não espere aquele tipo de drama agridoce onde após um acontecimento traumático, a família do personagem vai descobrindo surpresas sobre a vida do familiar. As surpresas em questão são cuspida a jatos de sangue na cara do espectador, que fica atordoado a cada reviravolta do roteiro.
A história começa com o súbito desaparecimento de Kanako (Nana Komatsu maravilhosa), uma dedicada e bela estudante colegial, cujo o pai Akikazu (Kôji Yakusho excelente) é um detetive da polícia aposentado que está separado da mãe de Kanako. Em uma jogo complexo e acelerado de montagem, vamos descobrindo as várias linhas temporais da vida de Akikazu, onde cenas do passado e do futuro se misturam com a do presente para criar uma esboço sobre a personalidade e estilo de vida do detetive. Afastado da polícia e dependente de álcool, ele acaba sendo intimado pela esposa a procurar a filha desaparecida com a qual não tem mais nenhum contato.
Em paralelo com a busca pela filha, somos apresentados a rotina estudantil de Kanako e um estudante/ narrador do filme (Hiroya Shimizu), que se apaixona por Kanako. O estudante sofre bullying na escola e acredita que Kanako nutre algum tipo de simpatia por ele, pois o melhor amigo da garota se suicidou pulando do telhado do colégio.
Enquanto, nessa aparentemente inocente história de amor colegial do passado se desenrola, Akikazu investiga o passado da filha que está envolvida com tráfico de drogas e prostituição infantil. As descobertas do detetive o levam a um mergulho no submundo da sociedade japonesa, mas também o conduzem a um mergulho nas próprias lembranças de seu passado com a família, segredos os quais ele esqueceu por causa do álcool ou bloqueou por causa da culpa.
Kanako, no passado se identifica com a Alice de Lewis Carroll, seja pelo mergulho no buraco da toca do coelho e pelas supostas sugestões de pedofilia. O estudante apaixonado após ingerir uma cápsula acaba adentrando ao mundo real de Kanako, cujo o amor não é bem o que ele e o público esperam de uma relação afetiva.
Após muitas mortes, torturas e estupros, Akikazu e o público estão preparados a encarar a verdadeira realidade de Kanako, que apesar de não viver em um mundo paralelo, sobrevive em um plano ao qual todos evitam olhar. Um universo de fantasia, dor e desejo onde os habitantes para sobreviver tornaram insensíveis, reprimindo qualquer tipo de emoção e distorcendo os valores da vida humana, onde a representação máxima do amor pode ser expressa através da morte.
Existem alguns filmes onde o abuso e excesso de estilos de montagem e fotografia podem se tornar cansativos e ofuscar a trama narrativa, esvaziando por completo os conflitos e dramaticidade da história e dos personagens. No entanto, Nakashima consegue ter a habilidade e plasticidade de costurar esses fragmentos de histórias, freneticamente dispostos de forma que cada um deles potencialize o arco dramático de cada personagem, reforçando e valorizando o peso de cada descoberta e reviravolta. Nos filmes de Nakashima não existe espaço para nenhuma espécie de sutileza, trata-se de uma pancadaria dramática que deixa o espectador atordoado, mas jamais anestesiado a ponto de não se importar com os personagens.
Um belo, iluminado e fluorescente mergulho na escuridão da toca do coelho, onde nem personagens e nem público saem incólumes ou ilesos. Não existe nenhum tipo de redenção no universo de Nakano e de Nakashima. Estamos sempre cavando o próximo buraco para nos enfiarmos, seja a procura de um sentimento perdido ou para nos escondermos da culpa que nos persegue.
Crítica por: Fabio Yamada.
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