Crítica: Kokuhaku

"KOKUHAKU" - 2010

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Um filme esplendidamente perturbador cuja ousadia da trama, montagem e fotografia não tem medo de mergulhar o espectador e seus personagens num universo politicamente incorreto ao extremo.

Antes de discorrer propriamente sobre o filme, vale a pena, comentar algumas percepções verdadeiras ou não que os ocidentais tem a respeito dos orientais, mais precisamente dos japoneses. Todo mundo acredita a princípio, que os japoneses são todos estudiosos, introvertidos e moralmente corretos; que o sistema educacional japonês atinge a perfeição e que existe um comportamento de extremo respeito dos mais jovens pelos mais velhos, professores e mestres. Um tipo de obediência e submissão dentro da hierarquia vigente que respeita padrões ético e morais. 

No entanto, se pararmos um pouco para observar todas essas falsas concepções a respeito da sociedade japonesa, podemos imaginar que se trata de uma grande panela de pressão, que precisa de alguma forma extravasar ou que explodirá em algum momento. Falando em explosão, temos que levar em conta que a nação japonesa foi a única que sofreu ataques de bombas nucleares com a morte de milhares de civis e que, inacreditavelmente, através do plano Marshall teve a economia e sociedade reconstruída com o auxílio e comando de seus maiores inimigos, os americanos. Transformando-se uma grande civilização milenar em consumidores alienados da cultura e subprodutos americanos. 

Voltando para a história do filme, que começa com a professora Moriguchi (Takako Matsu, maravilhosa) proferindo um monólogo dentro de uma sala de aula com estudantes baderneiros. As palavras da professora, que no início são praticamente inaudíveis em meio ao barulho, vão ganhando volume e forma conforme a câmera caminha por entre os alunos, que não demonstram nenhum respeito ou atenção para a professora. Os alunos só resolvem sentar-se em suas carteiras e prestarem um pouco de atenção ao seu discurso, após essa afirmar que trata-se de seu último dia de trabalho na escola. 

Após a saída de alguns alunos da classe, Moriguchi começa a relatar sobre os eventos que circundaram a morte de sua filha, afogada na piscina da escola, que inicialmente foi considerada uma morte acidental pela polícia. Ela afirma que assume parcialmente a culpa pelo incidente, mas que acredita que na verdade trata-se de uma assassinato planejado e premeditado por dois alunos presentes na classe. Ela conta que não vai revelar a identidade de nenhum deles, referindo-se a ambos como estudante A e B. Ela apresenta um breve perfil de cada um deles e revela que ambos assumiram a culpa pelo assassinato, mas que as leis vigentes protegem os assassinos menores de idade e que ambos reagiram com escárnio e sarcasmo ao confessar suas ações.

A professora afirma que não deseja nenhum tipo de vingança, mas que almeja que cada um deles aprenda o valor da vida humana e para tanto injetou sangue contaminado com vírus HIV na caixa de leite que os assassinos acabaram de beber. 

Independente do spoiler que acabei de revelar, tudo isso é apenas um prólogo ou a cena inicial do filme, que apresentará durante sua trajetória inúmeras reviravoltas e surpresas. O diretor Tetsuya Nakashima, baseado no livro de Kanae Minato, consegue construir uma epopéia de vingança poucas vezes vistas no cinema, comparável apenas a "Trilogia da Vingança" de Park Chan-wook.

No entanto, a ousadia do cinema de Nakashima não se limita ao roteiro do filme, ele se utliza de uma montagem alucinante e de uma fotografia exuberantemente plástica e comercial, semelhante a de video clipes para criar uma atmosfera disruptiva. Esses elementos cinematográficos funcionam como se o diretor quisesse seduzir o espectador através da belas imagens que estamos acostumados a consumir na publicidade, mas que na verdade está vendendo um produto bizarro, assustador e impróprio. 

Os personagens apresentam comportamentos psicóticos e depressivos, desde a professora vingativa, os jovens assassinos desequilibrados e insensíveis, mães super protetoras de destroem seus filhos, mães desnaturadas incapazes de demonstrar amor pelos filhos, jovens alunos que absorvem traumas profundos com a superficialidade de uma manchete de jornal e que alimentam comportamentos vingativos de bullying apenas como parte da rotina na sala de aula. 

Interessante, observar como qualquer tipo de dor ou injustiça sofrida se transforma como desculpa, justificativa ou arma para subjugar e se vingar dos outros. Todos os personagens se veem no direito de extravasar suas dores e traumas, mesmo que estes em nenhum momento tenham realmente tenham sido uma verdadeira vítima. As dores compartilhadas em uma sociedade conectada e globalizada transformam todos em vítimas empáticas e monstros impiedosos. 

Um filme perturbador e extremamente atual, que reflete através do microcosmo de uma sala de aula a construção de uma sociedade egoísta, hipócrita e prepotente que se utiliza de uma visão distorcida de empatia e solidariedade para disseminar mentiras, ofensas e violência. Um falso engajamento em cima da dor alheia, apenas para vender uma bela imagem altruísta. Somos todos outsiders desajustados e perdidos, justiceiros sem causas em buscas de moinhos de ventos que justifiquem a nossa existência. Pena que para alguns isso se expresse na forma de monstros irracionais e violentos que tentam a todo custo se apropriar pela dor alheia, mas que são incapazes de sentir algo, além de uma raiva intrínseca e indiscriminada.

Crítica por: Fabio Yamada.

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