Crítica: Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

"DOUTOR ESTRANHO NO MULTIVERSO DA LOUCURA" - 2022

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Um filme deliciosamente perturbador em sua narrativa e elementos de terror, onde o diretor Sam Raimi, cujo primeiro filme foi o clássico do terror "Evil Dead”, com certeza se divertiu muito nas filmagens de cada sequência.

Como já expressei aqui inúmeras vezes não sou fã de HQs e muito menos do universo Marvel, mas tenho que admitir que esse é o personagem que mais me atrai dentro da franquia. Fiquei muito decepcionado com o primeiro filme que apesar de ter um elenco sensacional com Benedict Cumberbatch como protagonista, Rachel McAdams como Dra Christine, Chiwetel Ejiofor como Mordor, Benedict Wong como Wong, Mads Mikkelsen como o antagonista Kaecilius e a maravilhosa Tilda Swinton como a líder anciã não conseguiu corresponder as minhas elevadas expectativas.

No entanto, tenho que admitir que essa segunda incursão do Doutor Fantástico apresentou em seu roteiro temas que são muito caros para mim, além é claro, de fornecer todos os elementos de um filme de terror, de forma elegante, camuflando verdadeiros massacres sanguinolentos com truques simples de direção de arte e figurino, o suficiente para permanecer com uma classificação indicativa de maiores de 14 anos.

O filme tem a ousadia de colocar lado a lado dois personagens trágicos do universo Marvel, Stephen e Wanda imersos numa aventura que mergulha num multiverso de possibilidades, onde múltiplas versões de cada um deles teve oportunidades ou coragem o suficiente para realizar escolhas diferentes que modificaram seu destino e selaram suas felicidades.

Tudo se inicia num sonho de Stephen em um universo diferente etéreo e multicolorido, onde uma imenso demônio está atrás de uma garota e ele tenta protegê-la de todas as formas afim de conseguir obter o controle de um livro mágico. Quando ele percebe que não será possível atingir seu objetivo, deduz racionalmente que deve evitar a todo custo que o tal demônio coloque suas garras no livro, mesmo que para tanto tenha que sacrificar sua companheira de luta.

Stephen desperta de seu sonho numa realidade tão quão desafiadora e frustrante, o casamento de Christine, sua eterna paixão da qual abriu mão devido a razão. A festa de casamento acaba sendo interrompida por uma criatura cheia de tentáculos e com um imenso globo ocular que está a caça justamente da garota do sonho de Stephen, America (Xochitl Gomez). Ela tem o poder de navegar no multiverso, atravessando as fronteiras do múltiplos e diversificados universos, mesmo que não tenha idéia de como funcione ou ative esse incrível poder. Poeticamente, ela explica que seu encontro com Stephen em seus sonhos se deu em outro universo paralelo e com outra versão dele mesmo. Os sonhos funcionam como janelas para outros universos de possibilidades e de outras versões de nós mesmo.

Afim de salvar a nova e perigosa heroína, Stephen vai atrás da feiticeira superpoderosa Wanda, que mora isolada da sociedade após vários eventos traumáticos narrados em outras produções da Marvel. Discorrer minuciosamente sobre os eventos do filme a partir daqui seria estragar as belas surpresas e reviravoltas que o diretor/ roteirista prepara para o público.

O importante a dizer sobre o filme é que ele discute de forma inteligente e autoral temas sobre arrependimentos, culpas e perdas de forma eloquente em múltiplas camadas de leitura. Ter a ousadia de imergir dois anti-heróis trágicos numa atmosfera de terror, onde apesar do risco iminente de destruição de mundos e universos inteiros estar em jogo, conseguimos nos preocupar e se importar com as dores e sentimentos dos personagens individuais que estão na tela. Além de se identificar profundamente com os sentimentos mais humanos que estão presentes nesses heróis superpoderosos, sentimentos esses que são capazes de transformar aquele herói num vilão cruel e sanguinário, mas que será capaz de destruir universos em buscar de amor e felicidade realmente genuínas. Muitos outros filmes já tentaram equilibrar grandes catástrofes de destruição em massa com sentimentos e conflitos internos dos personagens de forma convincente, mas fracassaram homericamente.

O diretor através de planos magníficos, montagem alucinante, linguagem cinematográfica original que tenta não se descolar demais do universo Marvel e que se utiliza desse colorido para camuflar a violência necessária para trama, consegue construir um filme de terror que não aterroriza os fãs de carteirinha e, que apesar de eu querer uma atmosfera e visual mais sombrio, consegue saciar o meu desejo e sede de horror e crueldade que todo filme do gênero merece.

Todos os subgêneros do terror são comtemplados nessa aventura, um vilão no melhor estilo slasher, bruxas com poderes malignos, zumbis e mortos-vivos, possessões de mortos e de vivos, fantasmas e espectros assustadores, grandes monstros aterrorizantes, variações de body horror, demônios em templos satânicos, livros dos vivos e dos mortos, mutilações, decapitações, explosões de corpos e jatos de sangue para todos os gostos. Um verdadeiro banquete diversificado para apreciadores do gênero e tudo isso chancelado pelas cores e padrões do universo Marvel.

No entanto, nenhum desses elementos do terror seriam suficientes para torturar o espectador se o público não se importasse com os personagens que estão na tela. As verdadeiras dores que emocionam e tocam o público são as amputações da alma dos protagonistas que abdicam de suas verdadeiras felicidades, não sem antes sofrerem a infinita tortura do “E se …”. Quem nunca se martirizou com esse pequena interjeição? Um pequeno fragmento de emoção e pensamento que abre janelas para infinitas possibilidades, que poderíamos chamar de multiverso, mas que pode ser transformado em produto e monetizado no mundo virtual.

Crítica por: Fabio Yamada.

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