Crítica: Carnivale

"CARNIVALE" - 2003 - 2005

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Uma das primeiras grandes séries da HBO que através de uma história complexa e mítica consegue criar uma ambígua dicotomia entre o bem e o mal. Personagens de dois mundos com palcos teatrais, o religioso das igrejas e o pagão dos espetáculos circenses, caminham paralelamente para um encontro inevitável num universo cheio de estradas tortuosas com paisagens desérticas, onde tendas de ilusões se erguem sedentas de súditos e fiéis solitários e desesperados por algum tipo de salvação ou diversão. 

Na época da Grande Depressão Americana, as pessoas tentam sobreviver da maneira e com os truques que tem à mão. O circo Carnivale gerenciado por uma entidade invisível que se utiliza do anão Samson (Michael J. Anderson) para dar ordens para o restante da trupe vagueia de cidade em cidade no meio oeste americano exibindo seus truques e personalidades exóticas. No meio de uma dessas estradas a caravana se depara com um garoto, Ben Hawkins (Nick Stahl) enterrando o cadáver da mãe em meio ao solo do deserto. Ben acaba por se juntar a trupe por estar sendo procurado pela justiça, um foragido acusado de assassinato. 

Do outro lado da trama temos os excêntricos irmãos religiosos, Justin Crowe (Clancy Brown) e Iris Crowe (Amy Madigan), ele como um padre em ascensão que cuida de crianças órfãs e ela como virgem carola que nutre sentimentos incestuosos pelo irmão. Ambos órfãos vítimas de acidente de trem e adotados pelo reverendo Norman (Ralph Walle).

Estranhos incidentes com passagens enigmáticas referentes a mitologia bíblica incorrem na vida dos dois antagonistas, Ben e Justin. Enquanto que na vida do pagão foragido do circo, pequenos milagres advém de seus poderes, como a garota que volta a andar em meio a uma plantação que se deteriora ou da encantadora de cobras que ressuscita após ser picada por sua cobra. Na vida do padre devotado a igreja se incendeia queimando viva todas as crianças órfãs, fato que ao ser noticiado pela radio local faz chover doações para a campanha do nem tão inocente padre.

Além da ambiguidade de valores e questionamentos sobre religião e família, o enredo consegue seduzir pelos personagens bem construídos, principalmente aqueles do núcleo circense, seja pelo braço direito de Samson, Jonesy (Tim DeKay) que sofre por uma lesão na perna que o deixa manco, pela cartomante Sofie (Clea DuVall) que trava diálogos mentais com sua mãe comatosa Apollonia (Diane Salinger), pelo mentalista cego Lodz (Patrick Bauchau) que além de saber os segredos íntimos do gerente namora a mulher barbada Lila (Debra Christofferson), a encantadora de cobras Ruthie (Adrienne Barbeau) amante de Ben e mãe do gigante abobado Gabriel (Brian Turk), além da estranha família formada por Felix (Toby Huss), sua esposa Rita Sue (Cynthia Ettinger), Libby (Carla Gallo) e Dora (Amanda Aday) que realizam shows de striptease e programas com clientes do circo.

A trama não tem pressa em revelar os seus segredos. O belo trabalho de cenografia, direção de arte, figurino, fotografia e montagem se encarregam da imersão do espectador nesse universo tenebroso, mágico, assustador e sedutor. Os planos abertos em meio ao deserto vazio são tão melancólicos quanto as tristes imagens dos shows de dança, as revelações pessimistas da cartomante ou a falta de perspectiva dos membros da trupe. Os pesadelos dos personagens são tão assustadores quanto as tramas e ações políticas por trás dos discursos de políticos e religiosos. As dores físicas e deformidades corporais são tão nauseantes quanto as cenas de sexo e declarações hipócritas de amor entre os personagens.

Não existe futuro para nenhum dos personagens na tela, cada um deles vive preso ao seu inferno particular na imensidão do deserto. Não são as chamas do inferno que assombram nenhum deles e nem a falta da vida que os deixam sedentos por prazer, são apenas homens e mulheres com seus mundos cada vez mais vazios e achatados que acabam por se transformar em caricaturas de si mesmos, seres malformados com caráter deformados que não reconhecem a si mesmos quando olham no espelho.

Crítica por: Fabio Yamada. 

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