Crítica: O Último Duelo

"O ÚLTIMO DUELO" - 2021

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Tenho que admitir que relutei um pouco em assistir a esse filme, apesar de ser dirigido pelo grandioso Ridley Scott e protagonizado por um grande elenco. Sempre que um filme tem como universo da história algo a ver com Idade Média, cavaleiros e duelos fico imaginando um enredo arrastado com discursos monótonos e final com redenção heróica. No entanto, ultrapassando as barreiras iniciais, acabei sendo surpreendido com o enredo do filme, no qual o diretor americano tenta realizar o seu “Rashomon”.

No filme que conta a história de dois cavaleiros do exército do rei da Inglaterra, Carrouges (Matt Damon) e Le Gris (Adam Driver) através de seus embates com o exército inimigo. Inicialmente companheiros de batalhas eles acabam se afastando devido a aproximação de Le Gris com o nobre Pierre (Ben Affleck) que acaba menosprezando e desprestigiando Carrouges. O processo de inimizade culmina com o casamento de Carrouges com Marguerite (Jodie Comer) e a cobiça de Le Gris pela bela esposa de Carrouges.

O filme que já se inicia com o duelo final do título, reserva uma bela surpresa no meio da projeção. A história apresentada a primeira vista como completa, na verdade trata-se apenas do ponto de vista de Carrouges, suprimindo alguns acontecimentos importantes, mas que acabam passando despercebidos para os espectadores menos atentos. A partir do meio do filme, a história passa a ser recontada pelo ponto de vista de Le Gris e percebemos como a visão parcial de Carrouges tende a deformar a realidade a sua volta. 

Se na visão inicial tínhamos a idéia de belo e honrado cavaleiro que seria traído e usurpado pelo seu até então amigo, agora percebemos que o tal vilão na verdade não era tão ruim assim. No entanto, alguns detalhes dessa segunda visão da história revelam particularidades de Le Gris que reforçam a idéia de que ele também tem uma visão bem distorcida da realidade.

A grande tragédia da história e ponto central que culmina com o tal duelo é o fato alegado por Marguerite de que Le Gris a estuprou em sua casa durante a ausência do marido. Carrouges fica ao lado da mulher e recorre as esferas mais altas de poder para condenar seu inimigo. Le Gris alega que ambos estavam apaixonados e que o ato de amor foi a consumação de uma paixão adúltera, porém irresistível.

Por último, mas não menos importante somos apresentados a visão de Marguerite que apresenta a difícil e sem perspectivas vida de uma mulher na Idade Média, que por incrível que pareça não se diferencia muito das vidas de uma mulher na época atual dependo de sua posição social. O tal marido não era tão bondoso e carinhoso como ele acreditava ser e o amante/estuprador não tinha nada de irresistível e muito menos apaixonante. Resta então para a tal vítima lutar por sua dignidade e se conformar com as leis vigentes que não privilegiam em nada a visão feminina, sendo tratada apenas como moeda de troca ou um ser sub-humano.

A visão condescendente a respeito da felicidade e reciprocidade afetiva que ambos tem de Marguerite é hilária, mas ao mesmo tempo extremamente incomoda e assustadora, justamente por se aproximar dos relatos que os estupradores utilizam para justificar seus atos hoje em dia. 

Um belo filme que referencia o clássico filme de Akira Kurosawa, através dos diferentes pontos de vista dos personagens que resultam em três versões completamente diferentes de uma mesma história, demonstrando através de pequenos detalhes que a verdade se encontra e se movimenta em algum ponto entre os diferentes relatos.

Crítica por: Fabio Yamada.

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