"MULHOLLAND DRIVE" - 2001
O cinema nada mais é do que sonhos compartilhados no escuro da sala de cinema. Seguindo essa linha de pensamento nada mais representativo do que o filme surrealista de David Lynch. Segundo alguns especialistas os sonhos são imagens aleatórias geradas pelo nosso inconsciente durante nosso período de sono relacionadas ao nosso cotidiano e para outros representariam a busca da realização de um desejo reprimido.
Independentemente de qual função real dos sonhos em nossas vidas é inegável o fascínio que ele exerce sobre nosso imaginário, tanto que tentamos recria-los de várias formas diferentes. Esse filme onírico tenta recriar todos as concepções que a palavra sonho possa representar, seja nas imagens do inconsciente propriamente ditas, seja nos desejos das personagens em conquistar algo ou seja nos verdadeiros pesadelos que pode nos assombrar.
O filme se inicia com uma das personagens Rita (Laura Harring) sofrendo um acidente de carro logo após ser ameaçada de morte. Ela fica desmemoriada e vai se abrigar aleatoriamente na casa da tia de Betty (Naomi Watts), que sonha em se tornar uma atriz e veio para a cidade realizar alguns testes para filmes.
Paralelamente a história da duas mulheres, temos Adam (Justin Theroux) um diretor de sucesso que almeja realizar seu filme mas que acaba tendo sua produção paralisada justamente por não aceitar a imposição do nome de uma atriz desconhecida para representar a protagonista de seu filme. Ele acaba sendo ameaçado e perseguido por criminosos que estão a serviço dos sinistros produtores do filme.
Enquanto Betty tenta ajudar a sua amiga a recuperar sua memórias entre um teste e outro, Adam acaba cedendo a pressão de seus inquisidores aceitando o nome da tal atriz para assim manter seu sonhos de pé. Betty acaba se apaixonando por Rita mas alguns percalços em seu passado sugerem que ela pode se tornar seu pior pesadelo.
Alguns elementos mágicos como uma chave encontrada na bolsa de Rita representam a metáfora para a abertura da “caixa de pandora” e Betty deve decidir se vale realmente a pena descobrir sobre o passado da bela desmemoriada.
Uma cena enigmática mais para o final do filme ambientada num inusitado clube noturno chamado Silencio, ao qual as duas protagonistas visitam no meio da madrugada sugere a todo momento que tudo é representação, que tudo é um filme.
A famosa fala: “No hay banda. Todo es uma ilusion” seguida de uma cantora entoando uma emocionante canção que se revela apenas uma gravação após essa desfalecer no palco, sugerem que o filme até aquele ponto era apenas a representação de uma realidade na mente de algum dos personagens, seja de Betty, Rita, Camilla ou Diane.
Como para o expectador tudo é filme, tudo é ficção e fantasia, não deveria fazer muita diferença quais das duas narrativas representa a realidade no filme. No entanto, no cinema de ressonância de David Lynch essa quebra de realidade pode se tornar vertiginosa para alguns expectadores gerando um verdadeiro mal-estar. O filme adquire uma atmosfera sinistra de terror, nem tanto pelo desfecho violento das histórias das personagens, mas mais especificamente pelas rachaduras que a antológica cena causa na frágil e linear mente do expectador.
Rachaduras que criam lacunas narrativas através de vários simbolismos deixados na tela que devem ou não ser interpretados a bel-prazer do público, gerando uma inquietação sobre o desconhecido e se assemelham muito ao mundo dos sonhos. Nada mais apavorante do que desconstruir uma realidade e confrontar o expectador com idéias e sugestões que podem penetrar na hipocrisia e banalidade da vida comum, trazendo a tona desejos e devaneios obscuros. Um verdadeiro filme de terror ou daqueles pesadelos que insistimos em esquecer.
Crítica por: Fabio Yamada
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