"A CURA" - 1997
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Um filme policial de terror cheio de camadas de leituras sobre um detetive que investiga uma série de assassinatos em série cometido com o mesmo modus operandi mas por assassinos diferentes, que permanecem no local do crime mas não se lembram de terem cometido o crime.
Escrevendo dessa forma até parece um filme policial banal cujo mistério terá uma resolução mirabolante, lembrando uma série de TV americana “The Following” de 2013, onde um criminoso se utiliza da internet para criar uma rede de serial killers.
No entanto, estamos falando sobre o cultuado diretor japonês Kiyoshi Kurosawa, que não tem nenhum parentesco com o famoso Akira. Kiyoshi apesar atualmente se aventurar por vários gêneros cinematográficos, iniciou sua carreira sob a égide dos filmes de terror. Ele dirigiu clássicos do gênero como “Kairo" de 2001 e “Creepy" de 2016, mas também se aventurou por outros gêneros com sucesso, como nos filmes “Antes que Tudo Desapareça” de 2017 e “A Esposa do Espião” de 2020, além do fabuloso “Sonata de Tóquio” de 2008.
Aqui nesse filme, o público se depara com um violento assassinato de uma prostituta, cujo cadáver apresenta um sanguinolento e profundo “X" rasgando seu pescoço de um lado para o outro. O detetive Takabe (Kôji Yakusho) apresenta-se para investigar esse que mais tarde saberemos tratar-se do terceiro crime de mesma natureza em poucos dias. Os assassinos são encontrados a poucos metros de distância de suas vítimas desmemoriados, mas com fortes indícios de terem cometido o crime.
Paralelamente a investigação, conhecemos Mamiya (Masato Hagiwara), um jovem cabeludo com trajes amarrotados que caminha por uma praia quase deserta. Ele conversa com um transeunte e faz as mesmas perguntas repetidas vezes, afirmando estar sofrendo de algum tipo de amnésia. O inocente ouvinte tenta ajudar o enigmático jovem, levando-o para sua casa e abrindo as portas de suas vida. Mais tarde descobrimos, que anfitrião se tornara um novo assassino e sua esposa mais uma vítima com o “X" no pescoço.
Se inicialmente, os detetives do caso começam a imaginar algum tipo de causa sobrenatural para confrontar a possibilidade de mera coincidência na sequência de assassinatos. Takabe que sofre em casa devido a doença mental de sua esposa, uma mistura de amnésia com depressão, insiste na teoria de que Mamiya deve exercer algum tipo de poder mental sobre os incautos assassinos. O que para outros diretores poderia suscitar a idéia de possessão diabólica ou uma doença infecciosa que controla suas vítimas, na mente perigosa e sinistra de Kiyoshi ganha outros contornos através de um enigmático jogo de controle mental que se utiliza da hipnose, com direitos a crítica social em relação a crise econômica no Japão e a influência ocidental em sua sociedade no pós-guerra.
O influenciador de mentes assassinas é na verdade um estudante de psicologia fascinado pelo criador do método chamado Mesmerismo, Franz Anton Mesmer cuja a teoria do magnetismo animal se utilizaria da hipnose para libertar as mentes de seus doentes das amarras sociais de ética e moralidade. Mamiya acaba abordando suas potenciais vítimas através de perguntas repetitivas e irritantes sobre quem elas são e o que elas desejam, ignorando qualquer questionamento sobre sua própria vida, não fornecendo nada a seu respeito ao seu inquisidor. Ele acaba se transformando em um recipiente vazio para as dores e questionamento do outro, absorvendo então todas as suas aflições. A vítima curada ou livre de suas amarras, agora está livre para expressar seu lado animal e liberar toda a sua raiva e violência para o alvo mais próximo. Uma espécie de transferência mental que liberta o paciente momentaneamente causando verdadeiras crises de fúria.
Nos anos 90, a economia japonesa sofreu a implosão de uma espécie de bolha na qual vários empresários e investidores perderam seu dinheiro e empregos, gerando arroubos de violência em cidadãos aparentemente pacatos, esses episódios foram chamados de “Kirero”. A maioria dos economistas japoneses culparam a crise econômica devido a influência do ocidente dentro da sociedade japonesa desde o pós-guerra. Talvez, também por isso, o diretor introduz alguns indícios de que o método apropriado pelo libertador de assassinos tenham vindo do ocidente, seja pela nacionalidade de Mesmer, pela origem do filme que introduziu o método no território japonês ou pela gramophone com o nome de Thomas Edison. Além é claro de suscitar a provável influência das missões da igreja católica dentro do território japonês permeando e preenchendo as almas orientais de medo e culpa com a promessa de uma redenção final, numa tentativa de desequilibrar e envenenar suas mentes com seus dogmas, pecados, santos e demônios.
Um filme inteligente que transporta o tema da possessão para outro nível, seja científico ou sobrenatural, mas que possui um correlato bastante real dentro da sociedade, seja pela invasão cultural, econômica ou religiosa.
Crítica por: Fabio Yamada.
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