"SÓCRATES" - 2018
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Um filme brasileiro poderoso sobre o luto de um menino que perdeu a mãe e ainda assim tem que enfrentar várias mortes.
Na história, o protagonista Sócrates (Christian Malheiros magnífico) acorda um dia de manhã e se depara com o corpo da mãe morta deitado na cama. De um dia para o outro, o protagonista menor de idade, perde a mãe, acaba sendo despejado de casa e não tem como se sustentar.
Acompanhamos a saga de Sócrates em conseguir um emprego para se sustentar, que começa a viver de pequenos bicos, entre ajudar em um ferro velho e limpar banheiros. Inicialmente, o personagem sofre em silêncio, sua dor pode ser sentida em pequenos gestos e por vezes no tom da voz. Conforme a trama evolui e os empecilhos vão se acumulando, desde a negativa de empregos, a vizinha cobrando aluguel, não poder retirar as cinzas da mãe e a possibilidade de ter de viver com um pai violento. Tudo isso vai se acumulando e erguendo uma verdadeira muralha ao redor de Sócrates. Ele começa a chorar, gritar, beber, fumar e pedir socorro, mas não existe ninguém ao seu lado para ajudar.
A homossexualidade de Sócrates surge como mais uma dessas dificuldades a ser enfrentada. O que define o personagem não é a sua orientação sexual, mas sim o seu sofrimento e como ele continua lutando apesar disso. Como eu disse no início, o filme é sobre o luto, também do próprio diretor que perdeu a mãe.
O diretor Alexandre Moratto produziu esse filme de baixo orçamento com a ajuda da O2 de Fernando Meirelles, cujo clássico Cidade de Deus, também mostra personagens pobres da periferia que pegam em armas para sobreviver. Essa em momento algum torna-se uma opção para Sócrates. O filme filmado em Santos (ou melhor na periferia de Santos) em parceria com Instituto Querô (ONG de Santos que busca a inclusão cultural através da produção audiovisual) percorreu vários festivais, mas foi durante um debate em São Paulo que o diretor quase veio às lágrimas, quando um garoto se levantou e disse que ele poderia ser o Sócrates da ficção e agradeceu por se ver representado na tela. Um menino negro, pobre e gay.
As cenas fortes costuradas uma a outra, retratando a morte física, institucional, afetiva e da dignidade do personagem. Sócrates tenta se prostituir e procura comida no lixo antes de buscar a ajuda no pai que reagiu violentamente a sua orientação sexual. Como disse, Christian Malheiros, “O difícil não foi o beijo homossexual, mas sim catar comida no lixo”.
Nós nos afogamos junto com o personagem nesse grande mar de sofrimento, sentimos cada onda de dor que se arrebenta no corpo de Sócrates. Um filme poderoso e urgente sobre pessoas invisíveis que precisa ser assistido. Sobre um Brasil que existe e precisa ser discutido.
Crítica por: Fabio Yamada.
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