Crítica: Red Rocket

"RED ROCKET" - 2021

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Realmente existem aqueles filmes que te pegam no contrapé e conseguem te surpreender a ponto de não saber exatamente onde se encontra o fundo do poço. Sean Baker acaba transportando o espectador para o lado feio e camuflado de um Estados Unidos que não costuma ser evidenciado por outro filmes americanos. Quando um diretor americano deseja realizar uma crítica social ou política sempre acaba estilizando e maquiando o seu produto afim de agradar tanto público quanto críticos que o filme acaba perdendo sua alma ou o seu sabor.

O cinema cruento e visceral de Baker, que realizou um dos primeiros longa-metragens gravados apenas com um celular “Tangerine”, consegue manter sua potência justamente por essa sua proximidade com a realidade, não importando quando suja, feia ou amoral ela seja.

O filme começa com o protagonista Mikey (Simon Rex fantástico) viajando num ônibus e percorrendo as ruas de sua cidade a pé, com apenas uma calça jeans e uma regata, seu corpo e rosto cheio de hematomas denunciam algum tipo de violência. A música “Bye Bye Love” da cafona banda da década passada acompanha a jornada do protagonista e permeia todo o restante do filme. 

Mikey, uma decadente estrela do cinema pornô retorna fugido de Los Angeles para sua cidade natal Texas City, mais precisamente para a residência  maltrapilha de sua antiga esposa Lexi (Bree Elrod) e sogra Lil (Brenda Deiss). Após intensas discussões elas aceitam que ele volta a dormir temporariamente no sofá da sala, desde que ele se comprometa a pagar o aluguel.

Após uma série de entrevistas de emprego, que deixam evidentes o autêntico orgulho que o protagonista tem de seu ramo anterior de trabalho e a hipocrisia moralista da sociedade americana, Mikey decide a retornar a seu antigo trabalho antes da indústria pornô, traficar drogas.

O clima dentro de casa e as relações com Lexi e Lil começam a melhorar após Mikey prover o sustento da casa. No entanto, tudo muda após ele colocar seus olhos sobre a atendente de uma brega e colorida loja de donuts, a bela Strawberry (Suzanna Sun). No início, não sabemos ao certo onde termina o interesse amoroso do protagonista e onde começa o olhar financeiro sobre a possível futura estrela do cinema pornô. Mikey tem a intenção de seduzir a bela garota ruiva e de olhos claros e introduzi-la ao seu antigo métier.

Todas as ações do protagonista são impulsionadas pelos interesses em benefício próprio, que estão em pleno acordo com os discursos televisivos do candidato republicano a presidência nos anos de 2016. Discursos que reforçavam o individualismo e disseminação de mentiras com interesse inescrupuloso de vencer a qualquer custo. Nosso protagonista também se guia por  esses princípios e por incrível que pareça, ele realmente parece acreditar neles, afinal sua realidade funesta propiciou esse estilo de vida egoísta de sobrevivência. 

Como sempre somos frutos da nossa realidade e o que antes era uma enorme indiscrição deplorável, hoje pode ser bradado em alta voz. O diretor jamais coloca em julgamento o fato do protagonista ser um ator pornô, mesmo por que nem o personagem e muito menos os seus fãs deixam de apreciar essa peculiaridade, reconhecendo em Mikey algum tipo de sucesso profissional. Não é a profissão dele que está em discussão, mas sim suas atitudes em relação aos outros.

A bela fotografia, cenografia e direção de arte transformam a metáfora do donuts adocicado e colorido, mas com um buraco vazio no meio, na definição perfeita do nosso protagonista. No entanto, transformar o estado do Texas e quem dirá um país inteiro numa grande, cafona e colorida loja de donuts, onde se vende muitas outras drogas além dos produtos adocicados é a imagem perfeita para um multidão de casca vazias que circundam o nosso entorno.

Simon Rex está perfeito no personagem, entregando uma performance hipnotizante e sedutora do perfeito cafajeste que acredita e defende seus valores de perfeição. A cena na cama com a garota ruiva, quando ela toca e canta uma versão melancólica da música da abertura é comovente, mas o que a torna inesquecível é o olhar vazio do protagonista, incapaz de sensibilizar com o que advém do outro caso algum tipo de benefício próprio não esteja em jogo.

O fato do ator que perfaz o protagonista ter participado de filmes pornográficos antes do dito “cinema mainstream de Hollywood” também serve para apimentar o debate sobre essa sombria e cínica fábula do mundo atual. Não que todo ator necessite de sua persona real para construir bem um personagem. No entanto, em nosso dito mundo real a verdade tem valores relativos dependendo de quem pronuncia e de quem a escuta. Num mundo cheio de “fake news” aceitas como verdade, acaba se tornando cômico e hipócrita a idéia de que a vida pregressa de um ator que está ali para representar um papel, angarie algum tipo de valor a sua atuação de um personagem que atua em filmes pornográficos. Espelhamentos e julgamentos daqueles que nunca se quer se olharam no espelho.

Crítica por: Fabio Yamada.

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