Crítica: O fio Invisível

"O FIO INVISÍVEL" - 2021

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Um bela produção chilena dirigida por Claudia Llosa vencedora do Urso de Ouro em Berlin pelo filme “A Teta Assustada”. Nesse filme que alguns ousam classificar como terror, na falta de encaixar em algum gênero específico, mas que se trata de uma bela mistura de drama existencial com sobrenatural com pitadas de crítica social e defesa do meio ambiente, sem falar é claro do olhar feminino do mundo através do tema da maternidade. 

A história começa com a protagonista Amanda (Maria Valverde estupenda) tendo seu corpo arrastado por uma floresta. Ela conversa com seu provável algoz que insiste para ela se atentar aos detalhes de suas memórias. Essa frase se repetirá várias vezes durante todo o filme, sempre que a protagonista se perde em seus devaneios.

As memórias de Amanda nos levam até a chegada dela e de sua filha Nina (Guillermina Sorribes Liotta) a uma pequena cidade interiorana onde a protagonista viveu quando criança. Amanda está desacompanhada de seu marido que vive trabalhando. Na bela casa com piscina, Amanda é recebida por uma moradora local, Carola (Dolores Fonzi fantástica) que mora com seu marido e tem um estranha relação com seu filho David (Emílio Vodanovich).

Uma atração irresistível surge entre as duas mulheres que se identificam em sua solidão. Ambas tentam viver na ausência e com a indiferença de seus maridos e sobrecarregadas com o peso da maternidade. Enquanto Amanda guia sua vida pelo fio invisível que a prende a Nina, construindo um distância de segurança que se dilata ou se encurta conforme os perigos a sua volta, Carola não se conforma com a falta de ligação com seu filho David, um total estranho para ela que inspira perigo a todo instante. 

A trama se desenrola de forma não linear entre os ciclos labirínticos das memórias de Amanda, que se prende a pequenos detalhes repetitivos da mesma forma que cria elipses temporo-espaciais cujos pontos de intersecção e conjunção se assemelham as nossas percepções sensoriais durante um sonho. Nem sempre sabemos exatamente o que é realidade ou não. No entanto, a diretora não está tão interessada nessa narrativa realista de ação e reação. Ficamos a maior parte do tempo imersos nessa atmosfera onírica e nebulosa onde por vezes o sobrenatural toma conta da narrativa transformando as imagens em pesadelo.

O espectador mais interessado em uma explicação denotativa e literal dos acontecimentos pode se atentar aos detalhes da trama, como uso de agrotóxicos ou desastres ecológicos envenenando os moradores da cidade. Outros poderão se prender a trama sobrenatural sobre divisões de almas e transição espiritual, tentando desvendar que alma ocupa qual receptáculo corporal dos personagens.

No entanto, o que mais me atrai no filme é essa ameaça invisível que permeia o universo de Amanda e provavelmente de todas as pessoas, como se o mal estivesse sempre a espreita, revelando-se apenas nos pequenos detalhes. O tal fio invisível ou a distância de resgate nada mais é do aquilo que nos liga a quem nos importamos. Essa conexão não se dimensiona exatamente pela distância espacial entre as pessoas, mas depende principalmente da nossa capacidade de nos enxergamos no outro e reconhecer suas dores e medos. Isso não depende exatamente de laços sanguíneos e nem interesses amorosos, sendo necessário apenas reconhecermos que estamos completamente perdidos e sozinhos nesse mundo, desprovidos do controle algum e que nos guiamos apenas pela similaridades que encontramos uns nos outros.

Crítica por: Fabio Yamada.

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