Crítica: A Missa da Meia-Noite

"A MISSA DA MEIA-NOITE" - 2021

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A nova parceria entre Mike Flanagan e a Netflix, além de ser o trabalho mais pessoal do diretor, acaba por ser uma minissérie absurdamente ousada, inteligente e aterrorizante. Ele consegue costurar vários temas como religiosidade, culpa, vício e fanatismo em uma história brilhante onde tudo está conectado, cada detalhe acaba se relacionando a outro. Se existe algum tipo de crítica ao seu trabalho seria a de justamente não deixar nenhuma ponta solta nas múltiplas camadas de leitura que ele oferece ao expectador.

Alguns poderão dizer que não se trata de uma minissérie de terror, que se arrasta no começo ou que existem muitos diálogos e pouca ação. Dizer que a minissérie é apenas um produção de terror seria muito pouco, pois trata-se quase de uma releitura da bíblia comparando vários sacramentos católicos com características e comportamentos de seres mitológicos do terror.

Os episódios são divididos e nomeados conforme os livros da bíblia: Genesis, Salmos, Provérbios, Lamentações, Evangelhos, Apóstolos e Apocalipse. E como não poderia deixar de ser, tudo começa com a culpa. A história se inicia com Riley (Zach Gilford) algemado na estrada ao lado dos escombros de um acidente automobilístico onde sua namorada perdeu a vida. Nas cenas seguintes, descobrimos que Riley dirigia alcoolizado, ele foi julgado, admitiu sua culpa e cumpriu sua sentença.

Como um filho pródigo, Riley retorna para casa de seus pais na remota ilha de Crockett com seus remanescentes 127 habitantes. Aos olhos de nosso protagonista, ele foi expulso do paraíso onde fracassou como homem e profissional, sendo enviado novamente para seu inferno pessoal sem nenhuma perspectiva de futuro. Na ilha ele é recebido pela mãe Annie (Kristin Lehman), que vai até porto e inventa desculpas para o fato do pai Ed (Henry Thomas) e seu irmão Warren (Igby Rigney) não estarem presentes. Ambos estão com uma maquiagem que os envelhecem exageradamente, suscitando a idéia de que em algum momento da trama eles sejam rejuvenescidos. Outros habitantes ilustres da ilha são Erin (Kate Siegel maravilhosa) outra filha pródiga que retornou para ilha grávida e sem marido para lecionar química na escola local, Bev (Samantha Sloyan) como a carola local que auxilia nas missa durante a ausência temporária do padre em peregrinação, a dra. Sara (Anabeth Gish) que atende na clínica local e mora com sua mãe Mildred (Alex Essoe) que sofre de Alzheimer avançado, o delegado local Sheriff Hassan (Rahul Kohli) e seu filho Ali (Rahul Abburi) que são muçulmanos, Leeza (Amarah Cymone) uma adolescente cadeirante vítima de um acidente com tiro e seus dedicados pais Wade (Michael Trucco) e Dolly (Crystal Balint), além é claro do causador do acidente Joe (Robert Longstreet) o beberrão local execrado pela população local.

O retorno de Riley à ilha coincide com a chegada de outro visitante, o enigmático padre Paul (Hamish Linklater fantástico) que veio com a incumbência de substituir o antigo padre local que encontra-se enfermo, internado no continente. Estranhos fenômenos começam a infligir sob população local, já depauperada por uma contaminação marítima pelo derramamento de óleo de uma petroleira local. Inicialmente, os gatos da ilha surgem mortos aos milhares nas praias locais, depois alguns habitantes começam a desaparecer misteriosamente, mas em compensação, os frequentadores que comungam nas missas do padre Paul são acometidos por estranhos sintomas de rejuvenescimento, além de alguns milagres como Leeza retornar a caminhar e Mildred se recuperar de sua demência.

Além das ousadias habituais de Mike Flanagan, a crítica incisiva em relação a religião católica e seus dogmas são surpreendentes. O diretor consegue traçar um belo paralelo entre o vício (alcoolismo) e o fanatismo religioso, além de criar uma metáfora maravilhosa entre as comunhão do corpo e do sangue de Cristo durante as cerimônias religiosas e a infestação vampiresca que acomete suas vítimas, como se a igreja católica fincasse seus dentes sugadores nas gargantas de cada um de seus fiéis.

As diferentes visões sobre o que significa a vida eterna para cada um dos personagens relacionando as estrelas do céu, com pequenas fogueiras de tribos reunidas na terra, associada as imagens finais com corpos em combustão na ilha são deslumbrantes. A confusão do inocente ou não padre Paul que acredita ter encontrado o caminho para vida eterna a partir de seu encontro com a criatura alada que compartilha com ele seu sangue, a qual ele começa a chamar de anjo celestial. Sangue este responsável pelos estranhos milagres que acometem seus fieis. Nada mais ousado do que insinuar que a igreja católica seja um covil de vampiros que vicia seus fiéis através da comunhão do sangue de seu mais ilustre membro que realizou milagres e ressuscitou graças aos poderes sobrenaturais de seu pai que o criou a sua imagem e semelhança. Simplesmente fantástico.

Crítica por: Fabio Yamada.

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