"FOUNDATION" - 2021
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Um belo espetáculo visual que tenta se aproximar da obra de ficção científica literária de Isaac Asimov. No entanto, não espere um novo “2001 - Um Odisséia no Espaço” e nem um “Duna”. Não existe como produzir uma série para streaming com o ritmo desses filmes para um público que deseja ver na tela algo parecido com “Battlestar Galactica”. Não que eu esteja falando mal dessa série, mas que os arcabouços ou as fundações, por assim dizer, de suas histórias são bem diferentes.
Talvez justamente por estarmos falando de histórias, seja interessante abordar a proposta da série da Apple, que claramente tinha o interesse de produzir um “Game of Thrones” no espaço. No entanto, a série de livros de Asimov apesar de possuir uma imensa gama de histórias e personagens de mundos diversos que se extende por milhares de anos, não possui o apelo dramático que um produto audiovisual necessita para prender atenção do expectador. Alguns poderiam dizer que essa é a função do roteirista que deveria adaptar a obra literária para melhor degustação do consumidor.
Apesar da obra de Asimov ser considerada um bíblia da ficção científica, fica quase que impossível filmar uma história, onde os eventos assumem a função de criar a unidade dramática que dá sentido a narrativa. Geralmente, quando assistimos uma série ou a um filme tentamos nos identificar com os personagens, criando vínculos com estes. No livro teríamos que criar vínculos com os eventos históricos descritos, quase como se tivéssemos que acompanhar a mensagem de um conto que se relaciona com outros contos, eventos que se aproximam ou se repelem, contradições da humanidade ou eventos que se repetirão sempre em diferentes momentos da história.
Poderíamos até dizer que seria como se tivéssemos que nos apaixonar por números matemáticos ou fórmulas físicas, criar elos afetivos entre poemas de diferentes escritores. Como se esses produtos da mente humana tivessem vida própria e pudessem se relacionar e o expectador ficasse fascinado com o desenrolar de suas aventuras.
Existem vários filmes recentes com essas características, como os premiados filmes de Roy Andersson, “Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência” ou “About Endlessness”, o filme “24 Frames” de Abbas Kiarostami ou filmes experimentais do início do cinema. Outra opção seria ceder a tentação das enfadonhas e intermináveis narrativas em off explicativas que acabam com a paciência e animo de qualquer expectador.
O que David S. Goyer realiza é dramatizar e enfatizar determinados eventos e personagens tornando o filme ou série mais palatável para expectador comum. Ele vai além e cria um núcleo praticamente inteiro que não existe nos livros sobre o fantástico Triunvirato com clones do imperador Cleon em diferentes fases de sua vida. O imperador vilanesco interpretado por Lee Pace rouba a cena sempre que aparece retirando um pouco da atenção ao cerne da história que seria a construção da Fundação que armazenaria todo o conhecimento humano, evitando assim milhares de anos em total idade das trevas, segundo as profecias de Hari Seldon (Jared Harris).
Como já adiantei um pouco na história, no universo criado por Asimov a espécie humana se espalhou pelo universo colonizando diferentes planetas que vivem sob o domínio de um imperador que se recusa a morrer. Um grande matemático criador da Psicohistória consegue através de dados históricos prever o destino de grandes massas populacionais, como sempre a história se repete literalmente.
Através de estudos e projeções matemáticas, Hari consegue prever a queda do império e a destruição da civilização do modo como ela é conhecida. Ele elabora um plano com a ajuda de Gaal Dornick (Lou Llobell), no qual uma biblioteca como todo o conhecimento humano será construída nos confins do universo. Gaal é uma jovem estudante que vivia em meio a uma população religiosa negacionista cujo o planeta está em vias de ser submerso pelas águas, mas que acaba envolvida nas tramas e enredos proféticos de Hari e se torna alvo do maléfico Imperador. Ela é fascinada por números primos e diverte-se em sua solitária contabilidade infinita.
A direção de arte, figurino, cenários e efeitos especiais são espantosos. O mural vivo no palácio do imperador é deslumbrante. O elenco com raras exceções apresenta um trabalho digno, com destaque para o magnífico Lee Pace.
Devido as várias críticas negativas e pouco apelo com o público que consome ficção científica pelo streaming não tenho certeza se as oito temporadas planejadas pela Apple vingarão. No entanto, poucas produções se apresentam de forma tão bem produzida e com premissas tão atuais quanto as dessa série, que apesar de ser baseada em livros da década de cinquenta é mais um exemplo de que as teorias de Hari realmente devem estar corretas. Não é tão difícil assim prever os movimentos e destinos de grandes populações em determinados períodos da história, justamente por ela sempre se repetir em ciclos. Toda velha lenda acaba por se tornar uma nova profecia em algum momento. A humanidade nunca cansa de se repetir nesse extenso caminho que chamamos de evolução, gerando ecos proféticos no grande vazio da sua infinita ignorância.
Crítica por: Fabio Yamada.
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