"FEAST" - 2021
🔑🔑🔑🔑🔑
Um filme extremamente perturbador baseado em fatos reais acontecidos em Amsterdã no início dos anos 2000. A verdadeira arte se dá quando transforma um fato em poesia. Aqui o fato é vários homens que frequentavam festas sexuais foram drogados com GHB (a droga do estupro) e contaminados sem saber com o vírus HIV através da injeção sangue contaminado em seus ânus. A poesia está na experimentação do diretor que através de vários esquetes nas mais diferentes formas possíveis reconta essa história conseguindo ultrapassar todos os limites dos fatos em si, fazendo com que o espectador sai da projeção com muitas mais perguntas do que quando adentrou a sala de cinema.
O estreante diretor Tim Leyendekker já começa o filme com imagens em close-up de bocas, genitais e pele desfocadas, transformando a tela em uma imensa massa vermelha em movimento que estimula os sentidos. O primeiro esquete é uma suposta reconstituição sobre como uma policial apresentaria as provas recolhidas na cena do crime, com preservativos, dildos, drogas, lubrificantes, roupas e cds. Tudo isso apresentado com pitadas de ironia e humor. No segundo segmento somos apresentados aos supostos agressores cada um com sua respectiva personalidade, que estão em uma sala discutindo as possíveis motivações do crime, seja por um amor sem limites ou pelo sexo que ultrapassa todas as barreiras. Os três personagens são apresentados por trás de um tela espelhada por onde são observados por outros três personagens interpretados pelos mesmo atores que julgam cada uma das afirmações deles. No terceiro esquete, temos um dos agressores que não revela o rosto relatando os verdadeiros acontecimentos, confessando ser a fonte doadora do sangue contaminado e parceiro submisso de um dos organizadores das festas.
O quarto esquete talvez seja um dos mais perturbadores, pois apresenta uma bióloga especialistas em flores, que demonstra como a inoculação de um vírus em uma tulipa é capaz de mudar as cores de suas pétalas deixando-a mais forte e vivaz. Ela compara a infecção das flores com a infecção do HIV, afirmando que as infecções podem modificar as pessoas para melhor. Isso em uma época de pandemia pode soar surreal.
No quinto episódios, somos apresentados ao principal acusado dos crimes que afirma sentir-se injustiçados pelas acusações, pois afinal cada um dos convidados estava ciente de que em suas festas ocorreriam relações sexuais sem uso de preservativos e que não obrigou ninguém a usar drogas, que na verdade seus convidados queriam usar todos os aditivos durante as relações sexuais. Ele acreditava realmente que aquelas relações eram como pactos de sangue envoltos de amor, onde as trocas de secreções e vírus na verdade era um modo de compartilhar algo íntimo que cada um deles carregariam por toda a vida. Uma verdadeira demonstração de amor.
No último e não menos importante esquete somos apresentados a uma reconstituição do que seria uma das vítimas denunciando o crime para policiais muito “preconceituosos”. A vítima, um homem bissexual casado com mulher e com filhos, acabou sendo infectado, perdeu o emprego e a esposa e foi afastado de seu filho. Os policiais confrontam a vítima sobre o que ele estaria buscando em festas de sexo homossexuais onde sabidamente ocorreriam sexo sem proteção, abuso de álcool e drogas. Em determinado momento, uma das policiais pergunta se ele não estariam buscando ultrapassar todos os limites da vida, se colocando em risco de morte ou, simplesmente se auto-destruindo. Afinal, o orgasmo talvez seja o momento no qual mais nos aproximamos da morte, o apelidado de “La Petite Mort”.
Desculpem-me por ser tão descritivo a respeito do filme, mas na verdade a grande beleza dessa obra não está no fato abordado, mas sim nas formas escolhidas pelo diretor em abordar e questionar fatos aparentemente cruéis e indescupáveis, trazendo abordagens que nos fazem repensar nossos valores mais sólidos e firmes. Assistir ao filme foi como ser atropelado e destroçado, mas ao mesmo tempo compreender que mesmo nos momentos mais escuros e feios podemos sentir prazer, indignação e nojo, sem que isso nos transformem em monstros. Somos apenas seres humanos testando nossos limites, experimentando emoções e vivenciando novas experiências, algumas destas testam nossos valores, outras ampliam nossos horizontes, existem aquelas que nos aproximam da morte para que simplesmente valorizemos mais a nossa vida. Como na visão do diretor, nós só crescemos e amadurecemos quando vivenciamos a vida em toda a sua amplitude, ao se deparar com coisas novas e pensamentos diferentes, não existem conflito sem dor, violência ou sangue. Se o sexo nos aproxima da sensação de morte, talvez o amor seja esse conjunto de sensações e emoções que através da dor, do sofrimento e do prazer faça nos sentir mais vivos.
Crítica por: Fabio Yamada.
Comentários
Postar um comentário