"SPENCER" - 2021
🔑🔑🔑🔑
Um filme que retrata a icônica figura da princesa Diana de uma forma inovadora e instigante, valorizando menos a verossimilhança de uma figura pública, retratada e documentada à exaustão pela imprensa; ressaltando ao invés disso um lado enrustido e perturbador de uma mulher solitária e frustrada em meio a um jogo que mistura hipocrisia social e tradições supérfluas.
Realmente acho engraçado e desprezível como o ser humano consegue se deliciar com as agruras da vida cotidiana dos outros, seja através de revistas e programas de fofocas sobre a vida de famosos, acompanhando os barracos de realitys como BBB ou os escândalos da vida da família real britânica.
Sinceramente, não sei ao certo se o espectador se conforma com sua própria vida ao descobrir que os tais famosos passam pelas mesmas desventuras que qualquer cidadão comum ou se o público realiza uma espécie de projeção em relação ao seu ídolo na TV, sites ou páginas de revistas, adotando-o como a uma espécie de avatar.
Alguns poderiam até dizer que todo tipo de arte tenta criar esses elos de identificação para entreter o público alvo, no entanto, a partir do momento em que o objeto de estudo ou de atenção deixa de ser uma ficção ou um produto fruto da visão de um interlocutor para tornar-se uma janela para a vida real de outro ser humano, o tal objeto de desejo torna-se um refém e púbico seus algozes.
As distâncias entre esses dois pontos se encurtam conforme a velocidade dos meios de comunicação, os julgamentos morais, cobranças de postura e os famosos cancelamentos se multiplicam exponencialmente. As brigas, os segredos e os conflitos privados tornam-se públicos. Se antes esses impasses eram direcionados apenas para as ditas figuras públicas, a internet e as redes sociais trataram de popularizar essas adversidades e qualquer um pode se tornar famoso através de uma indiscrição digital ou se flagrado por uma câmera indiscreta.
Estamos cada vez mais nos transformando em personagens e subprodutos de nossas próprias vidas, talvez por isso mesmo Zuckerberg esteja investindo bilhões de dólares na criação do tal metaverse. Enquanto alguns tentam a todo custo sair da tal “matrix”, outros pagam fortunas ou se colocam em situações ridículas e deploráveis para garantir um assento na “Família real da TV”.
Talvez por tudo isso que escrevi acima que eu tenha gostado tanto de “Spencer”, um filme que se utiliza da figura pública da tal princesa famosa sem necessariamente se tornar outro sub-produto que explora o sofrimento alheio através do espelhamento da vida real. O diretor em nenhum momento almejou que a personagem do filme se parecesse fidedignamente a princesa Diana, desde a primeira frase do filme percebemos que aquela não pode ser a princesa que estamos acostumados a ver nos vídeos e fotos reais da época. Estamos diante de uma representação bem particular e ficcional que um diretor de cinema e uma fantástica atriz nos oferecem para construir o panorama de uma época com a intenção de discutir os fenômenos que expus acima.
Não à toa o nome do filme, numa tentativa tanto do filme que tenta desconstruir uma visão sobre a tal princesa, quanto da própria personagem que tenta se destituir de seus títulos. Alguns críticos, dizem que se trata de um filme de terror com Diana (Kristen Stewart maravilhosa) tentando escapar de todas as formas das tais masmorras do castelo, de suas algemas de diamantes ou pérolas e de seus algozes, fantasmagóricos e onipresentes membros da família real que simplesmente a ignoram. Isso pode parecer até irônico, pois na verdade não sei ao certo se o problema real da personagem do filme é ser ignorada ou receber atenção em excesso de todos a sua volta. Seria realmente ingênuo pensar que ao adentrar para uma família real que sua vida não seria vítima do escrutínio de todos os olhares e julgamentos da sociedade.
A personagem, assim como cada um de nós, acabe sendo vítima e algoz de sua própria ambição e ingenuidade ao se colocar sob as luzes de holofotes. Cada um de nós está onde se põe, a partir do momento que você expõe sua vida, real ou não nas redes sociais, acaba chancelando a liberdade de expressão ou opressão do outro. Seria muita ingenuidade nossa também acreditarmos que receberíamos apenas “likes”. Se nem a tal princesa que a priori era uma unanimidade, com exceção do julgamento e desejos do próprio marido, quem dirá nos reles plebeus.
As incongruências da tal princesa são expressas através do divertido jogo em relação as cortinas fechadas e abertas, afinal uma princesa que não quisesse aparecer não posaria tanto para as câmeras. Ninguém é perfeito ou inocente nesses jogos de hipocrisia. Mesmo quem diz que deseja sair dos tais holofotes, abandonando os tais títulos reais, não recusa nenhum tipo de atenção da mídia, seja através de entrevistas para programas famosos ou livros autobiográficos.
O interessante desses “personagens” é que cada um deles a seu modo, acredita que estão sub-julgados e ofuscados pela luz do palco. Eles apostam suas vidas na teoria de que seriam melhor vistos num palco individual, acreditando veementemente serem portadores de algum tipo de luz própria. Talvez por isso se lancem em voos solos. Alguns conseguem fugir da fama e terem um vida comum. Outros são perseguidos por essas luzes como um maldição e podem terminar em um túnel escuro.
Crítica por: Fabio Yamada.
Comentários
Postar um comentário