Crítica: A Pior Pessoa do Mundo

"A PIOR PESSOA DO MUNDO" - 2021

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Uma bela comédia norueguesa que se utiliza da volatilidade e incertezas do universos dos millenials para a vida de uma jovem que aparentemente só tem compromisso com suas ilusões.

Já assistimos vários filmes sobre amadurecimento no cinema indie americano, este guarda uma particular semelhança com “Frances Ha” de Noah Baumbach. No entanto, existe uma estranha melancolia por baixo da montagem em ritmo alucinado sobre a vida dessa garota que prefere viver sempre e repetidamente de eternos re-inícios.

No filme acompanhamos quatro anos da vida de Julie (Renate Reinsve fabulosa e ganhadora do prêmio de melhor atriz em Cannes por esse papel), que muda de carreiras e interesses amorosos como pinta e corta seus cabelos, reinventando-se a cada obstáculo que encontra pela frente. Alguns poderiam acreditar que isso é um elogio, afinal se reinventar em momentos de crise é uma qualidade importante. No entanto, jogar tudo para o alto e recomeçar sempre do zero, sem nenhum tipo de engajamento pode dar a impressão de desinteresse e falta de objetivos.

Julie começa estudando medicina, pula para psicologia, passa pela fotografia e termina na escrita. Não que não tenha talento ou capacidade para seguir em alguma dessas carreiras, mas abandona os cursos como mudamos de janelas na tela do celular, acreditando ter infinitas possibilidades de vidas e identidades. Na verdade, essa é a identidade que ela constrói durante o filme, uma garota com infinitas possibilidades, mas que geralmente permanecem sendo apenas possibilidades em seu infinito processo de transformação.

A velocidade do mundo moderno trás uma sensação constante de estranhamento, inquietação e desajuste com a própria vida, como se sempre estivéssemos em busca da próxima performance e paralisados esquecemos de curtir o presente, acreditando que a próxima rodada será melhor. Um estado pleno de insatisfação infinita. Essa instabilidade nos deixa inseguros e criamos personagens para agradar e se encaixar na vida dos outros, até que percebemos que nos tornamos coadjuvantes de nossas próprias vidas. 

Julie abandona o namorado da adolescência, se envolve com o professor de psicologia, transa o modelo que fotografa e finge se interessar pelo escritor de HQs que nunca leu. As relações amorosas acabam não tendo nenhum alicerce verdadeiro que as sustente e acabam se tornando descartáveis apesar dos sentimentos reais envolvidos.

Alguns poderiam dizer que as ações ou não ações da protagonistas derivam de suas relações familiares, com ela sendo ignorada pelo pai que tem uma nova família. Ela então se acha a pior pessoa do mundo por falta de amor próprio, não se dando valor algum. Consequentemente quem a ama e admire também não deve ter valor algum, por isso o desprezo depois da conquista. 

Independente da dinâmica psicológica por trás das escolhas da protagonista, os doze capítulos mais um prólogo e um epílogo são deliciosos de assistir. Renate dá um show de carisma e talento encantando o espectador que torce para que Julie alcance a tão almejada felicidade, seja ela efêmera ou duradoura. Aksel (Anders Danielsen Lie), o escritor machista e nostálgico consegue emocionar o público com um discurso sobre o que cada um de nossos amores representam em nossa vida e que na maior parte das vezes esse sentimento não respeitará nenhum tipo de equidade. A chegada de Eivind (Herbert Nordrum), um belo balconista de cafeteria desequilibra o instável mundo de Julie e ambos se desafiam em um intrigante jogo de “não traição” - uma fascinante e hilária brincadeira sobre até que ponto podemos nos apaixonar por alguém sem trair nosso cônjuge. 

Não podemos deixar de lado a inesquecível cena na qual Julie caminha pelas ruas de Oslo com todo o resto do mundo paralisado, como que se aguardasse ela tomar uma decisão.  As vezes nos comportamos assim, acreditamos que a vida realiza grandes pausas durante nossos momentos de dúvidas até podermos reiniciar. Esquecemos que o mundo continua rodando, as pessoas continuam com suas vidas e aqueles momentos preciosos não mais voltarão. Quando nos damos conta que somos os únicos parados na linha de largada, como se realmente houvesse uma linha de chegada. 

Crítica por: Fabio Yamada.

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