"O BECO DO PESADELO" - 2021
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Um filme mais adulto e maduro do maravilhoso diretor mexicano Guillermo Del Toro, sem os maravilhosos excessos oníricos de “O Labirinto do Fauno” ou as metáforas fantasmagóricas de “A Colina Escarlate” ou o excêntrico amor entre criaturas mitológicas de “A Forma da Água” e “Hellboy”. No entanto, eu adoro esses excessos cinematográficos e sempre que assisto a um filme dele, almejo vislumbrar mais um pouco daquelas belas imagens aterrorizantes características de seu cinema.
Nessa bela e bem cuidada adaptação do livro “O Beco das Ilusões Perdidas” ou “Nightmare Alley” de William Lindsay Gresham, acompanhamos o personagem Stanton Carlisle (Bradley Cooper em sua melhor performance). De uma sombria e assustadora cena inicial, onde o personagem assassina um homem mais velho, deposita seu corpo num buraco no assoalho de madeira e depois incendeia todo o cômodo; passamos para sua chegada ao cenário preponderante de toda a primeira parte do filme, o assustador e sedutor universo circense de uma feira itinerante, com todos os seus shows e personagens grotescamente arrebatadores. Um personagem se destaca nessa primeira visita ao ambiente, um homem-besta enjaulado que faminto devora uma galinha viva, sugando seu sangue na frente do público, mas não sem antes proferir um grito monstruoso embargado por lágrimas de sofrimento e vergonha.
Stan ganha a atenção do dono do circo, Clem (Willem Dafoe), após capturar o monstro fugitivo que escapou de sua cela, numa profética cena dentro do palácio de espelhos onde o monstro revela que ele na verdade não é o que aparenta. Stan é convidado a trabalhar no circo, onde se aproxima de Zeena (Toni Collette) e seu marido Pete (David Strathaim), ambos responsáveis pela apresentação dela como uma vidente que se utiliza do método mentalista do marido alcoólatra.
Stan almeja aprender o método para conseguir produzir seu próprio show, em meio a seu aprendizado em vários setores do circo, ele se apaixona por Molly (Rooney Mara), com quem foge do circo logo após a morte de Pete.
Entramos então na segunda metade do filme, onde o excêntrico e grotesco mundo do circo é trocado pelos suntuosos teatros e mansões da elite americana, que assim como depauperado público do circo, também almeja ser ludibriado pelos bem arquitetados truques do mentalista agora muito bem vestido e dono de uma lábia sedutora.
Stan começa a acreditar que pode manipular qualquer um através de seus métodos de observação e dedução lógica, acreditando que tem tudo e a todos sob seu controle, um verdadeiro mestre da manipulação. Ele acaba se envolvendo com ricos e poderosos que desejam a todo custo entrar em contato com entes queridos já falecidos, como a sra Kimball (Mary Steengurgen) e o perigoso e desconfiado Ezra Grindle (Richard Jenkins maravilhoso). Todos esses contatos foram intermediados pela hipnotizante femme fatale dra. Lilith Ritter (Cate Blanchett fabulosa), um psiquiatra que cuida das dores e sofrimentos da elite da sociedade novaiorquina.
Se na primeira parte os desertos e sombrios caminhos do circo levavam o protagonista a encontros com verdadeiras monstruosidades criadas pelo homem, agora os corredores iluminados com detalhes em madeira e dourados nos transportam para os verdadeiros homens responsáveis pela criação dos monstros, aqueles que geram a dor e sofrimento para depois oferecerem uma cura transitória. Aqueles que escutam nossa mais profundas dores mais depois a usaram contra nós mesmos. Aqueles que oferecem um drink para o alcoólatra sedento por álcool. Aqueles que vendem um ilusão ao preço do sofrimento eterno.
O nosso asqueroso e sedutor protagonista tenta a todo custo escapar desse labirinto circular que norteia seu destino, sem perceber que essa espiral descendente o está transformando a si próprio na besta-homem que tanto lhe gerava compaixão e desprezo. O protagonista cego pela ambição não dá ouvidos aos avisos de Zeena e nem as súplicas de Molly, perfazendo uma solitária trajetória até seu inferno particular a bordo de um divã aveludado e tendo como barqueira uma bela e deformada Lilith.
Se nessa bela e suntuosa produção de Del Toro estão ausentes os inesquecíveis monstros habitantes dignos dos nossos mais apavorantes pesadelos, o diretor compensa tal falta com exibição do mais tenebroso e sinistro monstro destruidor do nosso mundo, nós mesmos, os seres humanos, capazes dos gestos e ações mais desprezíveis pelas motivações mais fúteis. Incapazes de enxergar que a destruição total do seu entorno acarretará na própria perdição. A imagem do famoso monstro sem olhos sentado a uma mesa farta, que devora todos aqueles que ousem invadir seu mundo através dos olhos embutidos em suas mãos que a tudo destroem.
Crítica por: Fabio Yamada.
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