Crítica: Maricón Perdido

"MARICÓN PERDIDO" - 2021

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Um série espanhola produzida pela TNT e exibida pela HBO MAX com apenas 6 episódios curtos, sobre a vida de Bob Pop um escritor, crítico, blogueiro e estilista que se destacou muito no cenário LGBT espanhol, mas pouco conhecido por aqui.

As sequências da série espanhola alternam entre três período de vida do protagonista, infância (Gabriel Sánchez), jovem adulto (Carlos González) e maduro (Bob Pop). Dirigido por Alejandro Marin, a série apresenta a luta de Bob Pop contra o bullying de seus colegas de escola, os maus tratos de seu pai (Carlos Bardem), o comportamento excêntrico de sua mãe (Candela Peña) durante a infância. Na fase adulta, Bob Pop tenta conciliar sua vida profissional em ascensão com constante visitas a uma sauna gay local ou encontros sexuais no Parque del Retiro, sempre a procura de um grupo ou alguém que o aceite, sofrendo o preconceito duplo por sua homossexualidade e seu corpo obeso. A fase da maturidade chega através de flashs de entrevistas, mas principalmente no final do último episódio com direito a participação de especiais de outros diretores espanhóis como Berto Romero, Andreu Buenafuente e o mestre Pedro Almodóvar, num jantar pra lá de metalinguístico na casa do protagonista.

A coragem de Bob Pop em se expor totalmente através de temas nada agradáveis, como o abuso, violência e compulsão sexual, além de relatos sobre sua patologia de Esclerose Múltipla, obrigando-o a retornar para casa de seus pais. No entanto, nem tudo é desgraça na vida desse fantástico artista, sua relação especial com seu avô (Miguel Rellán), uma amizade de uma vida inteira com Bea (María Romanillos) e Lola (Alba Flores), além de uma paixão de infância Carlos (Roger Padilla) e finalmente um parceiro de vida Miguel (Ramon Pujol).

As histórias segmentadas alternam entre as três linhas temporais unidas por transições orgânicas e inteligentes graças ao trabalho de Alberto Gutiérrez. O roteiro escrito pelo próprio Bob Pop com a ajuda de Enric Pardo, consegue ser leve e sutil mesmo quando aborda os temas mais pesados e nos ambientes mais hostis. Se a dor existe, ela é pintada com cores extremamente alegres. Um relato pessoal que de tão verdadeiro e sincero consegue se transformar em universal, impossível não se identificar com várias sequencias presentes no filme. Episódios de vida, que normalmente fazemos questão de esconder e esquecer nos recônditos mais profundos de nossa memória, mas que quando vistos na tela poderiam funcionar como um tipo de gatilho emocional, mas que nas mãos de Bob Pop transformam-se lembrança com sabor agridoce que emociona sem agredir ou chantagear o espectador. Nada como o roteirista e diretor fazer bom uso do seu lugar de fala, lançando um olhar verdadeiro sobre eventos que só poderiam ser descritos por quem viveu realmente aquilo, mesmo que com cores e retoques fantasiosos.

Uma série voltada para o público LGBTQI+, mas que trás um olhar muito especial de quem ainda consegue ver a vida com felicidade e otimismo, apesar de todas as surras que a vida lhe deu. É preciso muita coragem para olhar para si mesmo e ao relatar episódios de vida tão dolorosos resistir a tentação de não se colocar no papel de vítima, mas principalmente não se render a teorias de almanaque que lhe transforme em um clichê ambulante. Cada uma de nossas decisões, certas ou erradas, se é que isso existe, são pequenos arcabouços que nos transformam no que somos hoje, não precisamos aparar as arestas ou suavizar nossas cicatrizes para nos encaixarmos nas lacunas que o mundo nos oferece. O retrato de uma vida bem vivida pode ser chancelado quando você consegue olhar para seu passado e como no reflexo de um espelho, mesmo por baixo de todas as cicatrizes, máscaras e fantasias, reconhecer a si mesmo sua essência. Quantos de nós conseguem tem essa coragem ou capacidade?

Crítica por: Fabio Yamada.

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