Crítica: Madres Paralelas

"MADRES PARALELAS" - 2021

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Um belo e comovente filme de Pedro Almodóvar que através de uma história, aparentemente clichê, sobre troca de bebês na maternidade consegue estabelecer um paralelo com as feridas abertas da Guerra Civil Espanhola e a ditadura Franquista.

Alguns estão dizendo que o diretor espanhol finalmente amadureceu e resolveu realizar um filme político, no entanto, acredito que todos os filmes são políticos. Todo filme defende alguma idéia através de sua narrativa ou simples escolhas de planos, não necessariamente essa idéia a ser vendida precisa ser demonstrada de modo didático ou escarrado. Todos os filmes de Almodóvar são políticos, desde seu “Pepi, Luci e Bom” de 1980 até o oscarizado “Tudo Sobre Minha Mãe” de 1999. Cada um defende com unhas e dentes personagens como as mulheres que lutam por seus direitos num mundo machista, os membros da comunidade LGBTQIA+ que lutam para defender seu estilo de vida, os corpos considerados desviantes que a sociedade insiste em apagar e aqueles desejos mais obscuro que afloram a pele suscitando dilemas ético/ morais inusitados.

Nesse novo filme, o diretor mantém seu olhar atento para o universo feminino, mais precisamente para a maternidade. No entanto, ao invés de transformar sua narrativa em algo autorreferêncial e intimista, ele lança seu olhar para o passado histórico de seu país, mais precisamente para os anos da ditadura onde muitos civis foram assassinados e nunca tiveram os corpos devolvidos para suas famílias.

Na história acompanhamos a protagonista Janis (Penélope Cruz sempre fantástica) como uma fotógrafa que se aproxima de um arqueólogo forense durante uma sessão de fotos afim de que este auxilie na autorização para uma escavação em seu povoado à procura do corpo de seu bisavó e companheiros desaparecidos. Intencionalmente ou não, Janis acaba se envolvendo amorosamente com Arturo (Israel Elejaide) e acaba engravidando acidentalmente. Ela decide ter o filho sozinha, em vista que Arturo é casado com uma esposa em tratamento de câncer.

Na maternidade, Janis conhece uma jovem parturiente com a qual divide o quarto de enfermaria, Anna (Milena Smit surpreendente). As duas mães dão à luz simultaneamente e ambas as crianças acabam necessitando de cuidados intensivos. 

Meses depois, Janis recebe a visita de Arturo que ao ver as feições indígenas da criança não a reconhece como sua filha. Intrigada, Janis resolver realizar o teste de maternidade com sua filha, que naturalmente tem resultado de incompatibilidade.

Janis entra em pânico e não sabe direito o que fazer. Ela resolve se afastar de todos a sua volta, inclusive Arturo e Ana. Ana por sua vez, apesar de ainda ser uma adolescente, dedica-se integralmente ao cuidado da filha Anita, mesmo depois de ser mais uma vez abandonada pela mãe, que sai em uma turnê com o elenco de sua peça de teatro.

Anos depois, um reencontro entre as duas mães lança Janis em um complexo dilema ético/moral que ressoa com sua empreitada em encontrar o restos mortais de seus antepassados. Janis desconfia de quem seja a mãe biológica de sua filha, mas mesmo após a comprovação de suas suspeitas ela insiste em esconder a verdade afim de manter o status quo de sua vida. Ela acredita que ao bajular e auxiliar a mãe injustiçada, ela conseguirá suprir a ausência da verdade.

A beleza do filme está justamente nessa cruel e diametralmente oposta metáfora entre uma sociedade que esconde ou ignora os cadáveres de seu passado com a desculpa de manter uma ilusória estabilidade e uma mãe que rouba a filha de outra ao camuflar a verdade com pequenos gestos amorosos.

Ao final do filme, percebemos que a tragédia gerada pela dor de uma mãe que perdeu sua filha ou a teve retirada de si é parecida com a dor daqueles que tiveram seus entes queridos sequestrados durante a ditadura e permaneceram gerações sem ter algum tipo de desfecho para suas narrativas de vida ou alguma espécie de redenção para suas perdas. O seio materno chora o leite materno da criança perdida assim como um país desaba sobre as valas dos corpos sem nome de seu passado.

Crítica por: Fabio Yamada.

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