"VIAJANTES" - 2021
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Um filme que tem como subtítulo “Instinto e Desejo” com uma sinopse sobre 30 homens e mulheres que são enviados para o espaço em uma missão multigeracional em busca de um novo lar, vende a idéia de uma ficção científica com um fundo de terror psicológico e cenas de teor sexual, algo próximo a “Gattaca" ou “Ex-Machina”.
No entanto, existe uma grande disparidade entre o que os criadores do filme desejam e o instinto mercadológico de seus produtores e distribuidores. Talvez por isso o filme tenha esse abismo entre o que vende e o que entrega, atraindo sempre o público errado e que invariavelmente ficará insatisfeito.
No meu caso por exemplo, resolvi assistir esse filme justamente por estar oprimido, exaurido e nauseado com todos os acontecimentos políticos e sociais da realidade brasileira, desejando acima de tudo assistir algo que desvie meu pensamento de temas como fake news, autoritarismo e manipulação de massas. Risos. Ao final do filme descubro que a produção acaba sendo um verdadeiro “Senhor das Moscas” no espaço sideral. Parece impossível escapar da realidade que nos cerca. Ironias do destino.
O filme de Neil Burger (Divergente, O Ilusionista e Billions) começa de forma promissora, um visual sóbrio e com Colin Farrell no papel principal, como o cientista Richard. O mundo está devastado consumindo todos os seus recursos energéticos e ecológicos, os humanos precisam encontrar outro planeta. Alguém lembra de “Interstellar" e todas as suas explicações físicas e quânticas sobre o tempo no espaço. Aqui a solução para uma viagem interstellar que duraria 86 anos foi muito mais simples, sem recorrer a mergulhos em buracos negros ou câmaras de hibernação.
Crianças geradas por fertilização in-vitro através de óvulos e espermatozóides doados são criadas dentro de compartimentos fechados sem contato com meio externo ou outras pessoas simulando a estrutura restrita de uma nave espacial. Assim em algum momento elas estariam prontas para uma viagem que ceifariam toda a sua vida e a de seus futuros filhos, para que seus netos pudessem desfrutar do novo planeta, sem incorrerem no risco de surtarem durante a viagem, afinal está seria a única realidade a qual conheceram. Assim sendo, ninguém sente falta de algo que nem sabe existir. Voltamos ao mito da caverna de Platão.
Richard decide embarcar com suas crias na viagem espacial, assim encurtando um pouco o tempo da decolagem. Ele sabe que nunca chegará ao seu destino, assim como as crianças que agora se tornaram adolescentes, a diferença está na bagagem de vida que cada um carrega dentro de suas memórias, ou a diferença entre o tal instinto e desejo.
No entanto, Christopher (Tye Sheridan) e Zac (Fionn Whitehead) descobrem que toda a tripulação está ingerido inconscientemente um suplemento que inibe os famosos hormônios da adolescência para deixá-los dóceis, sem variações de humor e sem libido. Obviamente, eles deixam de ingerir os suplementos liberando seus instintos e desejos mais profundos. Logo todo o resto da tripulação percebe a mudança de comportamento e a notícia se espalha. Sela (Lily-Rose Depp) acaba se tornando objeto de desejo dos dois amigos, agora inimigos.
O motim dentro da nave coincide com a morte de Richard e o aspirante a ditador Zac se utiliza de uma teoria sobre um invasor alienígena para gerar medo nos outros tripulantes e assim conseguir mais poder. Olha as fake news aí gente. Preciso falar mais alguma coisa. Depois disso tudo vai para o brejo. Mocinhos contra bandido e a grande massa manipulada. Enquanto, os bonzinhos tentam modificar as idéias da massa através de um discurso lógico com provas contundentes, o bandido pega em armas e distorce a narrativa tornando-a mais sedutora e emocionante, e claro benéfica aos seus interesses.
Em determinado momento do filme Christopher com as imagens sobre o assassinato cometido por Zac em mãos, titubeia e questiona em voz alta se isso seria suficiente para modificar o pensamento do resto da tripulação. Em outras épocas, eu também acreditaria piamente que as imagens gravadas e provas contundentes seriam suficientes para provar algo para alguém. No entanto, atualmente não acredito mais que isso seja suficiente. A verdade pode ser distorcida de tantas formas aos olhos de quem não a quer ver, que acaba sendo impossível convencer alguém sobre o que é verdade.
Um mentira muitas vezes repetida pode se tornar verdade? Sim, hoje sabemos que sim. A história conta apenas a versão dos vencedores? Sim, isso também deve ser verdade. Sinceramente, nunca vou deixar de acreditar na verdade seja ela qual for, mas está ficando cada vez mais difícil deixar de acreditar em mentiras. A verdade perdeu cada vez mais o seu valor, que muitos preferem viver na ilusão conscientemente ou inconscientemente. Será que estamos vivendo novamente dentro de uma nova Matrix? Não preciso de capsulas vermelha ou azul para decidir o caminho que preciso seguir, mas a cada dia que passa acredito menos nas pessoas e me importo cada vez menos com seus destinos. Seria isso individualismo? Acho que por uma via ou de outra estão nos transformando em seres humanos iguais e desprezíveis.
Crítica por: Fabio Yamada.
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