Crítica: Unreal

"UNREAL" - 2015

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Antes de comentarmos a série em si, tenho que admitir que tenho verdadeira ojeriza dos famosos Reality Shows, talvez por isso tenha evitado assistir a essa série, cuja premissa é discutir os bastidores desse tipo de entretenimento. Ironicamente, esses ditos shows de realidade infestam os canais de TV, aberto, a cabo e agora streaming, fazendo muito sucesso com o público em geral.

A série criada por Marti Noxon e Sarah Gertrude Shapiro, que coincidentemente ou não produziu nove temporadas de The Bachelor, aborda justamente os bastidores de um reality chamado Everlasting nos moldes deste último citado, com um príncipe encantado a procura de sua cara metade.

Na série fictícia, isso no caso, de quem ainda acredite inocentemente que algum desses shows tenham um pingo de realidade (ou melhor não seja pura ficção), acompanhamos os bastidores comandados por Quinn (Constance Zimmer, fabulosa), uma produtora inescrupulosa que não tem nenhum limite ético ou moral em relação aos seus funcionários ou participantes do show. O reality estaria já em sua décima temporada, com o consorte da vez representado pelo Adam Cromwell (Freddie Stroma), um britânico esnobe e manipulador. Entre as concorrentes ao "grande prêmio” temos: a inocente Anna (Johanna Braddy), a sedutora Grace (Nathalie Kelley), a desequilibrada Mary (Ashley Scott) e a enrustida Faith (Breeda Wool).

Quinn promove o retorno da problemática produtora de elenco Rachel (Shiri Appleby, fantástica), funcionária que na temporada anterior surtou diante das câmeras do reality. Ela é a grande estrela do show, inteligente, manipuladora e desequilibrada, Rachel é uma bússola moral danificada que representa nossa sociedade politicamente incorreta. Se Quinn não tem nenhum coração, Rachel tem um coração descompassado prestes a sofrer uma descarga de desfibrilador.

Enquanto Quinn tem um caso com o supervisor casado Chet (Craig Bierko), Rachel acaba se envolvendo emocionalmente com Jeremy (Josh Kelly) que acabou de ficar noivo. A performance de Rachel como uma relutante produtora inescrupulosa, um mini-projeto de Quinn e devastadora. Ela tenta de todas as formas arranjar desculpas para ela mesma de que está manipulando as concorrentes do programa com uma boa intenção final, mas na verdade ela é exatamente igual sua chefe Quinn. O esgotamento físico e mental de Rachel durante o transcorrer da temporada é uma metáfora para seu declínio moral ilustrado em suas atitudes. 

Muitas questões éticas, morais e jurídicas são expostas de forma dinâmica e orgânica nessa primeira temporada, traço que nos faz pensar de que se trata na verdade das experiências reais da criadora da série.

Enquanto na frente das câmeras acompanhamos um show de encenações premeditadas roteirizadas pelos produtores para alavancar a audiência do programa, é por trás das câmeras que presenciamos o verdadeiros show de manipulações que beiram a perversidade. Se o barraco pega fogo no palco, a hipocrisia e o cinismo impera nos bastidores. Os produtores embebedam suas candidatas, promovem intriga entre elas, investigam seu passado e estimulam os gatilhos dos traumas de cada uma delas. Tudo que possa render uma bela cena de sexo ou um barraco inesquecível. Os cancelamentos, difamações e sequelas emocionais decorrentes de suas manipulações são apenas efeitos colaterais cobertos por contratos pré-assinados. Tudo para agradar um público sedento por sangue, lágrimas e gritos construídos a partir de personagens da vida real. Afinal a realidade nunca é o bastante, principalmente quando a dor é do próximo.

Para quem ainda acredita nesses shows de realidade trata-se de um entretenimento viciante, para quem como eu odeia esses produtos, acaba por ser uma crítica deliciosa. Uma realidade ficcionada muito pior do que qualquer narrativa que minha mente fosse capaz de imaginar.

Crítica por: Fabio Yamada.

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