Crítica: Onde Está Meu Coração

"ONDE ESTÁ MEU CORAÇÃO" - 2021

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Uma minissérie poderosa e angustiante da Globoplay que apresenta a história de uma jovem médica que se vivia em crack.

Já assistimos vários melodramas produzidos para o cinema e para a TV que acompanham a derrocada ou a luta de um personagem viciado em drogas. Acompanhamos também vários dramas médicos onde são apresentados doutores viciados em opióides, afinal como várias pesquisas demonstram pelo menos 70% da classe médica já abusou de algum tipo de droga ou tóxico. Já acompanhamos este tipo de premissa em "Grey’s Anatomy", no “Sob Pressão”e no “Dr. House”, mas em todas essas tramas havia um grande evento desencadeador do vício ou algum tipo de desculpa para tanto.

Na história em questão acompanhamos a jovem médica Amanda (Letícia Colin, fabulosa) que fuma crack antes de sair de casa, no vestiário e escondida atrás da pilastra no heliponto do hospital. Acompanhamos alguns acertos e alguns erros na rotina dessa jovem médica, que podem estar ou não relacionados ao uso abusivo da droga, aparentemente sem nenhum juízo de valor.

Amanda é casada com Miguel (Daniel de Oliveira) um arquiteto vaidoso e bem-sucedido por quem é profundamente apaixonada e também amada. Ela é filha de Sofia (Mariana Lima) uma empresária bem sucedida e amorosa e de David (Fabio Assunção) um médico se recuperando do vício em álcool e extremamente controlador. Existem outros personagens secundários como a ótima Dra Célia (Grace Passô), a irmã mais nova Júlia (Manu Morelli) ou Vivian (Camila Márdila) uma empresária obcecada por Miguel. No entanto, vale a pena deixar essas tramas paralelas de lado, pois elas servem apenas para poluir a história central, que tem força suficiente para angustiar o coração de qualquer espectador.

A trilha sonora acompanhada da bela fotografia e montagem com cenas filmadas nas cidades de Santos e Guarujá, além do belo cenário do centro São Paulo, ajudam a construir e reforçar essa bela produção nacional. O elenco está sensacional com destaque para Letícia Colin, que nos guiar nessa montanha russa de emoções e Mariana Lima que nos apresenta um coração de mãe com todas as suas dores e cores.

Não sei se é pelo fato de estarmos em plena pandemia, mas me é muito penoso pular de um capítulo para o outro, tentando maratonar a série. Por isso, assisto a produção em doses homeopáticas com um aperto no coração.

O paralelo que os roteiristas criam entre o vício da protagonista e as obsessões tidas como normais de cada um dos outros personagens é muito inteligente. Afinal cada um de nós carregamos em nosso íntimo ou em nosso coração nossas mazelas que se expressam em pequeno vícios ou grandes obsessões. Pode ser um grande amor perdido, pode ser o luto por algum parente, uma grande frustração profissional, uma solidão, carência ou simplesmente um vazio avassalador. Alguns tentam apaziguar essa dor no álcool, outros com sexo, outros através de uma religiosidade fervorosa, alguns mergulham no trabalho, alguns gostam de comer e vomitar, outros simplesmente de gastar dinheiro, alguns amam jogar outros adoram adrenalina, outras preferem arriscar suas vidas e existem aqueles que simplesmente querem fugir de suas vidas desesperadamente, alguns com motivações reais aos olhos dos outros e outros aparentemente sem nenhuma desculpa para justificar a fulga, como se fosse necessário dissecar nossa dor e vazio.

Assim como ninguém sabe direito a origem dos buracos negros, a maior parte das pessoas que se sentem viver neles não sabem dizer como ou por que foram parar ali. Podemos apresentar várias desculpas ou justificativas para quem quer que seja, mas não conseguimos mentir para nós mesmos. 

A minissérie tenta apresentar essa realidade através da vida de Amanda, uma jovem que tem tudo para ser feliz, mas que deixa-se tragar pelo vício. Motivos ou desculpas ela tem, um irmão perdido, uma mãe ausente, um hereditariedade com tendência ao vício do pai, um marido narcisista, uma rotina profissional stressante. No entanto, acompanhando o drama da protagonista percebemos que são apenas desculpas vazias, para um drama muito maior. Assim como a protagonista, precisamos descobrir aonde está nosso coração, seja em frente a esse drama social que é a pandemia ou nossas pequenas dores mais intimistas. De preferência acompanhados e amparados por aqueles amamos e também nos amam. Afinal, quando estamos perdidos dentro de nossa escuridão só podemos nos espelhar em outro ser humano e muitas vezes somente o outro pode ser capaz de nos enxergar. Quem sabe no meio desse processo todo podemos descobrir finalmente onde está o nosso coração, que invariavelmente em todas as situações está no outro, ou melhor naqueles que estão ao nosso lado.

Crítica por: Fabio Yamada.

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