Crítica: O Sacrifício

"O SACRIFÍCIO” - 1986

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O filme testamento de Tarkovsky filmado na Suécia é marcado por longos planos gerais de contemplação e sustentado por diálogos existenciais. O filme é uma homenagem ao cinema de Ingmar Bergman, ele foi filmado nos arredores da Ilha de Faro, que já serviu de cenário para vários filmes de Bergman, tanto o ator Erland Josephson, que faz o protagonista quanto Sven Nykvist, o diretor de fotografia trabalharam várias vezes com o diretor sueco. 

No filme temos a história de Alexander (Erland Josephson, maravilhoso), um jornalista sueco e crítico literário que vive isolado no campo com sua família. Na cena inicial, em um longo plano sequência ele planta uma árvore morta dizendo ao filho que se ele repetir o ritual de regar a planta diariamente, talvez um dia ela volte a vida. Uma idéia interessante para quem se diz ateu como o protagonista. No decorrer da história que se passa em um único dia, descobrimos tratar-se do aniversário de Alexander. O filho, ainda uma criança, está mudo devido a uma cirurgia recente na garganta. Alexander recebe a visita de amigos próximos em sua casa.

Durante esta visita, Alexander e seus convidados recebem a notícia de que eclodiu a Terceira Guerra Mundial. O medo de um iminente apocalipse nuclear desencadeia crises histéricas nas mulheres (um pouco machista), que precisam se sedadas pelo amigo médico Victor (Sven Wollter). Não resta mais nada aos personagens, a não ser esperar pelo desfecho inevitável.

Em uma cena magnífica com forte carga dramática, o ateu Alexandre suplica a Deus em uma oração que a guerra seja evitada e que tudo retorne a ser como era antes. Prometendo que para tanto, ele abandonaria tudo que ele ama, sua família, sua casa, seus bens, seus amigos, sua voz e seu filho. 

Na mesma noite, ele recebe a visita e de seu amigo Otto (Allan Edwall), que acredita em acontecimentos sobrenaturais. Otto relata para Alexander que a empregada dele Maria (Guorún Gísladóttir) é uma bruxa e tem o poder de reverter a situação, mas para isso acontecer ele tem que ter relações sexuais com a dita bruxa. Alexander após uma sessão etílica vai a casa de Maria. Em outro plano sequência longo com um relato comovente de Alexander, Tarkovsky realiza uma metáfora entre a reforma de um jardim e a iminente destruição do mundo.

O filme inteiro transita entre o religioso e o pagão, apresentando um homem inicialmente racional, que se ajoelha a Deus quando precisa e participa de rituais pagãos quando chamado. A obra inacabada de Leonardo da Vinci, A Adoração dos Magos, observada várias vezes no filme, representa esse local de existência da humanidade, em constante transição entre o religioso e o pagão

O desejo de Alexander se realiza e tudo retorna ao dito normal. Ele cumpre sua promessa queimando sua casa, abandonando a família diagnosticado como louco. A longa e maravilhosa sequência da casa incendiada teve que ser filmada duas vezes por motivos técnicos (Imagine!). O filme termina com a cena do filho de Alexander deitado ao pé da árvore morta remetendo a cena inicial do primeiro filme de Tarkovsky, onde temos outra criança deitada ao pé de uma árvore.

Um filme existencialista que conta a visão de um diretor exilado longe de sua família em seu leito de morte (Tarkovsky com câncer pulmonar terminou de montar seu filme no hospital) sobre a decadência da sociedade moderna.

Crítica por: Fabio Yamada.

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