Crítica: Matrix Resurrections

"MATRIX RESURRECTIONS" - 2021

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Um filme irônico e sarcástico que se utiliza da metalinguagem para discutir tanto o cinema atual quanto a existência ou não do livre-arbítrio na nossa sociedade.

Impossível não se divertir com o roteiro criado pela diretora Lana Wachowski, que reinventa a franquia e ressuscita personagens com a simples idéia de re-inseri-los em uma nova realidade ou Matrix onde a história dos três primeiros filmes não passam de um roteiro de um designer de games de sucesso, Thomas Anderson vivido pelo fabuloso Keanu Reeves.

As tiradas que se originam das conversas travadas entre Thomas e seus funcionários agregados sobre o real valor da criação de uma nova sequência para os jogos virtuais sobre a Matrix são impagáveis.

O filme em si pode ser dividido em duas partes, a primeira autorreferencial e metalinguística, onde Thomas Anderson se depara com as mesmas situações vividas por seu alter-ego no jogo Matrix e a segunda parte onde após um despertar claudicante, o protagonista acaba por definir suas prioridades.

Se nos filmes da primeira trilogia, temos um protagonista isolado, que sofre com suas dúvidas sobre ser ou não ser o tão esperado Messias, mas com sua confiança sempre apoiada e confrontadas pelos coadjuvantes mas inesquecíveis, Morpheus (Laurence Fishburne) e agente Smith (Hugo Weaving). Agora temos novos atores personificando duelistas, Yahya Abdul-Mateen II e Jonathan Groff ambos acreditando terem evoluído em relação aos primeiros.

Além do debute desses novos atores, a diretora mantém seus vínculos com o elenco de outras produções trazendo para o filme Max Riemelt, Brian J. Smith, Erendira Ibarra e Max Mauff que trabalharam na série “Sense8”. Além disso ela insere no contexto um novo vilão, o Analista personificado pelo excelente Neil Patrick Harris.

Um jogos de espelhos e misturas de pílulas azuis e vermelhas cria rachaduras na nova Matrix que envolvem Thomas Anderson e Tiffany (Carrie-Anne Moss). Após várias cenas dos primeiros filmes inseridas dentro do filme, que alguns poderiam chamar de excessivamente explicativas ou nostálgicas demais, mas que julgo serem extremamente necessárias não só para que nunca assistiu aos primeiros filmes, mas que servem de contra-ponto a farsa a qual a diretora se propõe. Alguns dizem que quando uma tragédia é revivida novamente, ela acaba se tornando uma farsa. Realmente acredito, que é disso que estamos falando nesse filme, uma farsa metalinguística que se utiliza dos próprios tijolos para discutir e questionar os caminhos que o cinema e as artes estão assumindo. Evito dizer a para “escolhendo" pois não sei se trata-se de uma escolha ou imposição. A cena das imagens do primeiro filme sendo projetadas em uma antiga sala de cinema com as telas rasgadas é icônica e abrange muito do que estou querendo dizer. 

Após tirar sarro de todos os personagens, narrativas e fãs da franquia, a diretora simplesmente assume uma postura romanceada do renascimento através do amor. Na segunda metade do filme não existe espaço mais para dúvidas. O único caminho viável é o do amor entre Neo ou Thomas Anderson e Trinity. Onde a união dos dois além de gerar uma fonte de energia inesgotável para manutenção da Matrix (ilusão) consegue realizar o impensável e impossível (magia). Se isso não é uma metáfora para o próprio cinema, o que é?

Após quase vinte e cinco anos do primeiro filme existe um amadurecimento natural do discurso  da diretora e roteirista, que nesse período mudou seu nome e gênero, quanto da narrativa do filme criado por ela. 

Existe uma importante questão sobre a veracidade do livre-arbítrio dentro da nossa sociedade, se antes acreditávamos inocentemente que bastava escolher um pílula para finalmente abrir nossos olhos, percebemos que nossa cegueira advém de muitas coisas e que muitas vezes apesar de estarmos vendo continuamos a não enxergar.

Na maior parte das vezes estamos tentando nos equilibrar pulando de fossas em fossas acreditando que se continuarmos em movimento manteremos os pés limpos. Permanecemos com a doce ilusão que ao atravessarmos para a margem do outro lado, as águas límpidas do rio serão capazes de nos limpar ao ponto de finalmente enxergarmos nossa verdade interior. 

A maior parte das pessoas não gostam de encarar seu próprio reflexo no espelho, não por que acreditem ter muitos defeitos, mas simplesmente por perceberem que não são elas mesmas. Afinal, a partir do momento no qual desejamos ver nossa aparência significa que estamos preocupados com o julgamento dos outros.

A idéia ingênua de que basta abrir os olhos para enxergamos uma nova realidade ou uma nova matrix não é verdadeira, pois estamos sempre cegos, seja por amor, por ambição, por desejo, por raiva ou pela dor. Construímos as nossas próprios fossos de escuridão. Permanecemos eternamente com os olhos fechados com medo de que a luminosidade nos cegue, sem perceber que escolher ficar com os olhos fechados também é uma espécie de cegueira.

No final, somos apenas equilibristas tentando não cair nos penhascos a nossa volta, esquecendo que o único voo que poderíamos alçar seria ao despencar no abismo, de olhos abertos ou fechados, vivendo na ilusão ou na escuridão, mas sempre acorrentados pelas algemas e âncoras que nos guiam e nos aprisionam ao mesmo tempo, impedindo-nos de voar ou cair dependendo de para onde nossos olhos cerrados estiverem voltados. Afinal a sensação será sempre a mesma.

Crítica por: Fabio Yamada.

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