Crítica: Ataque Dos Cães

"ATAQUE DOS CÃES" - 2021

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Um belo filme que desafia o expectador a enxergar aquilo que está além da superfície. Durante toda a vida somos confrontados diversas vezes com o velho ditado de que as aparências enganam, no entanto, persistimos em acreditar que nossa visão vai além do alcance.

No cinema e nas artes em geral, nada melhor do que desconstruir velhos esteriótipos para demonstrar que o ser humano é um especialista em tentar camuflar ou maquiar seus sentimentos e emoções mais conflitantes afim de não demonstrar suas contradições ou fraquezas.

Essa eterna insatisfação inata que aparentemente nos impulsiona para frente, também é responsável pela idéia contínua de que nascemos no corpo errado ou de nunca estarmos satisfeitos com ele, de estarmos numa família incompatível ou de que fomos trocados na maternidade, vivermos numa época ou em um país errado, de que não escolhemos a profissão correta ou que nunca amamos quem deveríamos amar.

Estamos a todo momento tentando proteger ou compensar algo que o mundo ou a sociedade insiste em dizer que não está em conformidade. Acreditando piamente que em algum momento seremos recompensados por isso, nessa ou em outra vida, através da justiça dos homens, por uma intervenção divina ou por uma inusitada conjunção cósmica.

Na bela e terrível história dirigida pela magistral Jane Campion somos apresentados a uma espécie de contra-ponto do filme “O Piano” (como se a diretora tivesse produzido apenas esse filme). Todos os elementos estão ali, dois homens que se apresentam como o oposto absolutos um do outro, personagens com desejos reprimidos, uma mãe e seu filho ou filha que se desloca para uma terra inóspita, banhos de lama, uma mulher que toca piano e um ferimento na mão que ressignifica tudo.

Observando assim podemos até imaginar que a diretora esteja se repetindo, mas na verdade num filme falávamos sobre o desejo feminino libertado em meio à opressão, aqui estamos falando sobre o desejo masculino aprisionado gerando opressão. Enquanto no primeiro filme a personagem explodia após um ato de violência quebrando suas amarras, aqui o personagem implode após uma violência camuflada.

No enredo baseado no livro “The Power of the Dog” de Thomas Savage, acompanhamos a vida de dois irmãos Phil (Benedict Cumberbatch magnificamente desprezível) e George (Jesse Plemons sempre eficiente) que assumem o controle da fazenda dos pais. Enquanto Phil é o homem do campo rude mas que frequentou uma boa faculdade, George é o homem educado e sociável que não conseguiu completar seus estudos. Phil vive humilhando e menosprezando o irmão, apesar de não conseguir viver sem sua companhia. 

Esse relacionamento abusivo é quebrado no momento que George se apaixona por Rose (Kirsten Dunst fantástica), uma viúva e mãe do adolescente Peter (Kodi Smit-McPhee). O relacionamento dos dois se inicia após um jantar na pensão de Rose, onde Phil e seus empregados-seguidores humilham Peter devido seu jeito afeminado. Tenho que admitir que adoro ver o casal trabalhando junto, já que na vida real os dois são casados.

Rose se muda para a fazenda dos dois irmãos gerando uma guerra silenciosa dentro da casa que culmina num belo duelo musical. Conforme o tempo passa Rose começa a se embriagar para suportar a sua rotina em meio aos abusos dos dois irmãos, cada um a seu jeito. A visita de Peter durante o período de férias desencadeia uma série de eventos que revelam um misterioso segredo sobre Phil e ao mesmo tempo o aproxima dele.

Um filme provocativo que demonstra que até a armadura mais forte ou a fortaleza mais impenetrável pode ser invadida, bastando para isso apenas conseguir olhar um pouco mais além do que está na superfície. Resta ao expectador saber discernir ou não qual o verdadeiro poder dos cães, latir ou morder.

Crítica por: Fabio Yamada.

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