"THEM" - 2021
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Uma incrível primeira temporada da série antológica da Amazon Prime que mistura temas aparentemente clichês, como a casa mal-assombrada com questões de preconceito racial, fornecendo ao espectador uma experiência completamente nova de terror, imersiva e sufocante que nos deixa atordoados e sem fôlego desde o primeiro episódio.
A história que se passa na década de 50, acompanha a trajetória de uma família americana de afrodescendentes que se muda da Carolina do Norte para a ensolarada e liberal Califórnia. No entanto, contrariando o regime de moradias dos guetos, Henry (Ashley Thomas), um engenheiro de uma fábrica de aviões decide perseguir o sonho americano e se mudar para uma confortável casa no subúrbio, mais precisamente em East Compton, um bairro exclusivamente branco, cujos contratos de compra das casas possui uma clausula que proíbem a aquisição por negros.
No entanto, devido a uma jogada fraudulenta dos bancos que financiam essas residências, alguns corretores imobiliários começam a vender casas para negros com uma taxa de financiamento mais alta e com a certeza de que os vizinhos brancos infernizarão a vida dos novos moradores a ponto destes desistirem da compra e perderem parte do dinheiro investido.
No entanto, a família Emory já passou por traumas no passado relacionados a perda de um bebê e não se assustam com tanta facilidade. Lucky (Deborah Ayorinde) que perdeu o filho Chester começa a ter alucinações com um homem de chapéu, a filha mais jovem Gracie (Melody Hurd) começa a ter visões relacionadas a uma professora assustadora apelidada de Tia Vera, a filha mais velha Ruby (Shahadi Wright Joseph) tem dificuldades em se integrar na escola e Henry sofre represálias no emprego de seus colegas racistas.
No condomínio, os vizinhos liderados por Betty (Alison Pill, maquiavélica) fazem de tudo para conseguir expulsar os novos moradores, fazendo questões de esfregar em suas caras que não são bem vindos no bairro. Envenenando o cão de estimação, incendiando a frente da casa, tortura através de música alta e ornamentando a frente da casa com bonecos negros enforcados.
Se por um lado a presença do preconceito racial chega a ser sufocante, os traumas psicológicos que cada personagem externa por meio de suas alucinações ilustram cada obstáculo que as vítimas deste tipo de preconceito tem que ultrapassar, seja pela falta de suporte da igreja ou religião, pela educação e cultura de preponderância branca, pelos padrões de beleza e estética branca ou pelos resquícios da escravidão que remontam ao racismo estrutural.
Nunca assisti a uma obra televisiva ou cinematográfica que abordasse de forma tão completa e assustadora todos os lados dessa questão racial. Demonstrando que a injúria racial do outro é apenas a ponta do iceberg e que na verdade existe todo um universo que conspira e pesa sobre a alma dessas pessoas, impedindo que uma população inteira possa ter acesso livre a plenitude da vida, fazendo com que essas pessoas tenham que enfrentar uma batalha diária contra seus inimigos reais ou imaginários, externos e internos.
Se por um lado a história derrapa ao tentar justificar a presença sobrenatural através da figura histórica de um pastor com visões megalomaníacas incutidas pelo demônio, esta explicação pode ser vista como uma metáfora para o apoio da igreja em relação a escravidão da população africana. Como sempre digo, a igreja precisa criar o diabo para que possamos acreditar em Deus. Primeiro eles disseminam o ódio para depois oferecerem o perdão e assim por diante. A necessidade da fé a partir da dor e do medo.
A dor do bullying e do racismo não fere suas vítimas apenas pelos atos dos outros, o sofrimento maior acontece por que em parte acreditamos ser merecedores de tais punições e injúrias. Tudo isso ocasionado pelo preconceito estrutural que confunde nossas mentes e embaça nossas vistas criando verdadeiros monstros internos que se alimentam de nossos medos mais profundos, transformando a visão que temos de nós mesmos.
Crítica por: Fabio Yamada.
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