"MARE OF EASTTOWN" - 2021
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A nova série policial de mistério da HBO aparentemente tem aquele velho enredo de assassinato de adolescente inocente em uma pequena cidade pacata do interior dos EUA e aos poucos os pecados escondidos dos moradores são revelados. No entanto, o que diferencia esta produção das outras do gênero é a construção e desconstrução da personagem central, a detetive que dá nome a série interpretada pela estupenda Kate Winslet.
Façamos uma pausa para falar sobre essa fantástica atriz britânica eternizada não pelo seu melhor personagem a Rose de “Titanic" e oscarizada pelo “O Leitor”, são inúmeros os papéis inesquecíveis desta atriz no cinema que já trabalhou com Woody Allen, Danny Boyle, Steven Soderbergh, Todd Haynes, Sam Mendes, Stephen Daldry, Marc Foster, Michel Gondry, Alan Parker, Jane Campion, James Cameron, Ang Lee e Peter Jackson. Foi justamente no filme dirigido pelo diretor Neozelandês “Heavenly Creatures” que essa jovem estrela surgiu para mim, a esnobe, louca e carismática Juliet. Invariavelmente, seus papeis no cinema são de mulheres belas e elegantes com altas doses de rebeldia ou loucura. No entanto, nessa série da HBO, ela surge acabada, mal-vestida, sem maquiagem e envelhecida, despida de qualquer vaidade.
Lentamente, sem nenhuma pressa, somos apresentados aos habitantes de Easttown, guiados quase sempre pelo olhar da detetive Mare (Kate Winslet), que é divorciada, mãe de dois filhos e avó de um neto e que ainda abriga a mãe Helen (Jane Smart, fantástica). Mare tem que lidar com os problemas rotineiros da cidade, sofre por não ter conseguido resolver o caso de um desaparecimento da filha adolescente de uma amiga de infância, mas ainda arranja tempo de lidar com dois pretendentes, o escritor Richard (Guy Pearce) e o jovem detetive Zabel (Evan Peters). Tudo isso, sem falar da dificuldade em lidar com o casamento de seu ex-marido Frank (David Denman), o recente suicídio de seu filho Kevin (Cody Kostro), o luta pela guarda de seu neto com a mãe viciada Jess (Rudy Cruz) e o sentimento constante de culpa por não ter sido uma boa mãe.
Para coroar o final do primeiro episódio, temos o assassinato de Erin (Cailee Speany) que é encontrada desnuda à beira de um riacho da cidade. Durante este episódio criamos empatia pela personagem, uma mãe solteira trabalhadora, com o filho doente, negligenciada pelo pai e cujo ex-namorado Dylan (Jack Mulhern) a humilha constantemente com a ajuda da atual amante, a cruel Brianna (Mackenzie Lansing)
A personagem de Mare vai sendo desconstruída aos poucos por camadas, revelando a fragilidade latente por baixo de sua armadura. Assim como os segredos da comunidade são revelados a cada capítulo, as dores internas de Mare afloram a cada revelação sobre os traumas do passado da personagem.
Durante toda a temporada, acompanhamos o tradicional joguete de prováveis suspeitos, onde pistas falsas direcionam o olhar de suspeita do espectador. No entanto, o foco da produção está na complexidade dessa protagonista falha, egoísta e cruel, mas que aprendemos a perdoar e amar devido as suas escolhas difíceis e traumas profundos.
Um amigo sempre diz que a culpa sempre é da nossa mãe, que todos os problemas surgem dessa relação conflituosa. Afinal, todo mundo tem ou teve uma mãe, algumas terão o privilégio ou o infortúnio de serem mãe de alguém. A série lida o tempo todo com esse dilema da maternidade, que acaba por desencadear atos gloriosos e benevolentes mas ao mesmo tempo outros de extremo egoísmo e crueldade.
A impressão que fica após assistir mais de metade da temporada é a de que apesar de sempre desejarmos fazer as coisas certas, mesmo que para isso cometamos atos absurdos, sempre sofreremos as dores pelas escolhas erradas e a culpa pelas negligências conscientes ou inconscientes. A probabilidade de atingirmos nossos objetivos sem nenhum dano colateral para os que amamos ou para nós mesmo é quase que inexistente. Como sempre digo todo mundo sofre pelos motivos certos ou errados, por escolhas nossas ou de outros e, na maior parte das vezes, devemos nos dar por felizes quando descobrimos a origem dessas dores, pois existem aqueles que nunca se tornam conscientes daquilo que os aflige.
Crítica por: Fabio Yamada.
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