Crítica: Love - A História de Lisey

"LOVE - A HISTÓRIA DE LISEY" - 2021

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Adaptação cinematográfica do livro mais interessante de Stephen King, segundo o próprio autor, materializou-se em uma bela minissérie produzida pela HBO sob a direção do fantástico Pablo Larraín e com um elenco pomposo encabeçado pela maravilhosa Julianne Moore.

Nesta história instigante o escritor resolveu analisar os terrores originários da intimidade onde o leitor ou espectador acompanha as memórias de Lisey (Julianne Moore) a cerca do seu relacionamento com seu marido morto, o escritor Scott Landon (Clive Owen), entremeadas com os apuros de Lisey com família e um fã obcecado pelo escritor morto.

Através de planos magníficos e uma fotografia com cores exuberantes acompanhamos os mergulhos de Lisey em sua piscina cercada por uma vegetação abundante em paralelo com a sua imersão em um mundo de memórias reais e fictícias onde ela nos apresenta o mundo imaginário do marido que servia de arcabouço para seus escritos.

Esse estranho laço de memórias com o qual Lisey se depara é reforçado por um jogo criado por Scott, o caça ao bool (um tipo de caça ao tesouro), onde pistas são dispostas em lugares secretos e Lisey vai sendo guiada pelo marido morto com a suposta intenção de se recuperar de seu luto. O tal jogo fora criado pelo marido ainda na infância auxiliado pelo irmão Paul (Clark Furlong) afim de fugirem dos abusos do pai Andrew (Michael Pitt).

Outro artifício criado pelos irmãos foi esse lugar imaginário chamado de Boo’ya Moon que pode servir de metáfora para a mente do escritor ou para um tipo de nuvem onde a imaginação de seus leitores se conectam. A brincadeira que o escritor cria e o diretor nos fornece a respeito de como funciona esse belo ofício do escritor é sobre como as palavras escritas ou as imagens vistas tem o poder de transportar o leitor/espectador para um mundo a parte, que permite a este fugir da realidade.

É para Boo’Ya Moon que viaja e fica aprisionada a irmã de Lisey, Amanda (Joan Allen, excelente) diagnosticada com demência e internada pela irmã Darla (Jennifer Jason Leigh). Amanda funciona como uma das peças que Scott ou a mente de Lisey se utiliza durante a caçada ao bool. Mais uma vítima da proximidade com o misterioso escritor.

No entanto, quanto mais próximos destes criadores de mundos estamos, maior o riscos de sermos tragados para dentro de suas loucuras, absorvendo todos seus medos e pavores. Na verdade, a partir do momento no qual nos permitimos relacionar com outro ser humano e ouvirmos suas histórias, mas escutarmos de verdade, fica impossível não embarcamos em suas dores e alegrias. 

Alguns leitores ou ouvintes até podem construir barreiras para tentar se proteger atrás de suas redomas, mas num relacionamento íntimo ou num casamento isso fica impossível. Acredito que nunca venhamos a conhecer alguém por completo, mas a intimidade e a cumplicidade impregna e contamina com o passar do tempo. Isso funciona como uma verdadeira infecção na qual nossos comportamentos, aparência, imaginação e raciocínio passam a ser semelhantes senão idênticos. Como se nossos ciclos circadianos se sincronizassem, como se um pudesse ler o pensamento do outro, cúmplices de uma linguagem secreta que não necessitasse da vocalização de palavras. Um espelho onde pudéssemos mergulhar sem medo de se perder. No entanto, essa imagem pode passar a errônea idéia de que tudo é luz e que não existe espaço para trevas. Uma escuridão dentro do outro que somente os mais próximos e convidados tem o direito ou o desprazer de adentrar. 

Essa é a história de Lisey, uma mulher que se acostumou com a escuridão de seu amado,  suas pupilas dilataram aumentando a sua acuidade visual, aprendeu a enxergar coisas belas em meio as trevas e névoas, mas que ao emergir das profundezas em direção à luz percebeu que muitas dessas belas memórias eram apenas miragens desfocadas pelo seu próprio amor.

Crítica por: Fabio Yamada.

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