"CAMINHOS DA MEMÓRIA" - 2021
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Um belo filme da fantástica roteirista Lisa Joy de Westworld que de tão ambicioso naufraga esplendidamente e seus objetivos ficam submersos assim como grande parte dos edifícios desse mundo distópico criado pela diretora que por acaso é casada com Jonathan Nolan.
O filme parte uma premissa extremamente interessante, a maior parte das cidades litorâneas ficaram submersas após catástrofes globais devido aquecimento global. Milhares de pessoas morreram tentando construir barreiras para conterem as inundações inevitáveis. Isso gerou duas novas classes na sociedade, os barões e os que vivem em regiões submersas, além de causar traumas irrecuperáveis na maior parte das pessoas, que não acreditam mais no futuro, preferindo olhar para o passado com uma nostalgia patológica.
A humanidade teve que se adaptar a essa nova realidade, seja trocando automóveis por barcas como as de Veneza, vivendo nos andares mais altos dos edifícios, criando novas drogas potentes para anestesiar a população e criando novas profissões como os que auxiliam as pessoas a navegar por suas memórias.
Através de cápsulas onde as pessoas ficam anestesiadas e submersas, um guia consegue direcionar o usuário através de suas memórias do passado. Esses usuários podem ter motivos diversos para desejarem acessar suas memórias, seja para reviver momentos com um ente querido falecido, solucionar mistérios de um crime, buscar pistas sobre pessoas desaparecidas ou simplesmente encontrar as chaves de casa que perdeu. Tudo isso através de um direcionamento do olhar dentro dessa suposta memória fotográfica, ou no caso, cinematográfica. As imagens surgem em imagens holográficas ou exibidas como numa tela de cinema a critério do equipamento à disposição, podendo ser acessadas pela voz de um terapeuta especializado.
Até aqui tudo parece muito promissor e ousado, no entanto, tudo isso vai por água abaixo, quando a diretora/roteirista escolhe reduzir esse universo a uma trama de mistério policial simplista com toques de cinema noir. Onde um “detetive" enganado por uma suposta femme fatale decide se esgueirar pelas estradas sinuosas do submundo dessa sociedade em busca de respostas, submergindo cada vez mais em suas memórias do passado.
Nesse caso, o detetive é o terapeuta de memória Nick (Hugh Jackman) e a femme fatale é a bela e viciada Mae (Rebecca Fergusson). O clássico ajudante do detetive aqui é personificado pela auxiliar Emily (Thandie Newton), uma ex-militar boa de luta e apaixonada por Nick. Existem vários vilões em potencial, como o traficante Joe (Daniel Wu), o empresário corrupto Sylvan (Brett Cullen), sua esposa esquizofrênica Tamara (Marina de Tavira) e seu filho inescrupuloso Sebastian (Mojean Aria). No entanto, o único vilão que realmente se destaca é o instável Cyrus (Cliff Curtis) em uma mistura de revoltado social, policial corrupto e amante de Mae.
Todas as peças estão dispostas no tabuleiro afim de criar um blockbuster de sucesso, mas infelizmente as peças nunca chegam a se encaixar, criando um terreno irregular para seus personagens superficiais, pelos quais o espectador nunca chega realmente a se importar. Talvez pela falta de passado e motivações reais desses personagens, uma ironia para um filme que tem como mote principal esse olhar voltado para o passado dos personagens que não se cansam de rever suas memórias.
A metáfora com a história grega de Eurídice e Orfeu é muito bonita, onde o herói desce até as profundezas para resgatar sua amada, mas que não resiste de olhar para trás antes de chegar a superfície afim de constatar a realidade do momento, mas que por fim transforma tudo em ilusão. Na primeira vez que ela é utilizada no filme rende um momento poético, no entanto, a diretora insiste em usa-la até a exaustão, transformando beleza em repetição, como se o espectador , assim como o protagonista, também precisasse mergulhar várias vezes no filme para entender a mensagem que sempre esteve espelhada bem na superfície.
Crítica por: Fabio Yamada.
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