Crítica: A Garota e a Aranha

"A GAROTA E A ARANHA" - 2020

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Um grande filme minimalista que incomoda tanto pela câmera inquieta que apesar de tentar, não é capaz de absorver tudo que acontece a sua volta, mas também pela sensação de estranheza de vermos um multidão de pessoas enclausuradas dentro de um apartamento sem nenhum distanciamento social, organizando a mudança de uma das personagens do filme.

No entanto, o que mais chama atenção nesse filme despretensioso é a capacidade de seus diretores de abrirem um leque de situações e emoções a partir da separação de duas amigas. Eles conseguem expandir o universo dessa amizade para tudo a seu redor, como em ondas de frequência que vibram, dissipando energia em raios divergentes que se interligam como uma teia de aranha. Tudo está interligado e uma ação desencadeia uma reação, que não necessariamente será contra o objeto emissor, num telefone sem fio, onde quem apanha nem sempre sabe exatamente por que está sofrendo aquele golpe.

Como qualquer momento de mudança em nossa vida, começamos a ressignificar coisas, objetos e pessoas, sendo que alguns desses devem ser mantidos e outros descartados. As fissuras que surgem desse balanço geral não se limitam ao momento presente, podendo trazer novas releituras de momentos do passado ou desintegrar qualquer sonho de continuidade no futuro.

Assim como objetos, copos, vasos são estilhaçados nesses momentos de mudança, sentimentos  , sonhos e desejos também se fragmentam, no entanto, para esses últimos não existem colas superbonder que consertem. 

Lisa (Liliane Amuat) está se mudando da pequena república estudantil e abandonando seus antigos colegas, entre eles Mara (Henriette Confurius) que nutre um sentimento muito intenso por ela. Nesse ambiente de poliamor e de sexualidade fluida, todos amam a todos, claro que alguns preferem mais alguns do que outros. Astrid (Ursina Lardi), mãe de Lisa acaba sendo contaminada por esse ambiente e não esconde sua atração por Jurek (André Hennicke) o encarregado pela mudança de Lisa. Jurek está sendo auxiliado por Jan (Flurin Giger) que fica instantaneamente atraído por Mara, mas não resiste ao charme das companheiras de quarto dela.

As fraturas dessa separação se estendem para a rua e para as pessoas que trabalham no bairro, sendo ilustrada pela insistente britadeira que perfura o asfalto da rua em frente do apartamento e pela balconista que sorri para Mara pela janela. 

Apesar de nos encontrarmos em um momento de suspensão da realidade devido a pandemia, não significa necessariamente um período de interrupção de vida. Assim no filme dos irmãos suíços podemos ver que a vida transborda por essas fraturas, inundando nossos corpos de dores e sonhos. Nem tudo se manterá de pé após essas mudanças, mas sempre haverão espaços vazios a serem preenchidos por nossos sentimentos e lembranças, objetos e sonhos abandonados por outros ou esquecidos por nós mesmos.

Crítica por: Fabio Yamada.




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