"I COMETE: UM VERÃO NA CÓRSEGA" - 2021
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Tenho que admitir que acho extremamente curioso o fascínio que muitos diretores de cinema tem em tentar criar uma ficção com fachada de documentário ou colocar atores para interagir com pessoas reais em um cenário sem controle quase nenhum dos acontecimentos. Muitos diriam que isso permite que a realidade permeie o filme proporcionando mais vida a produção. Outros diriam que é apenas um modo de concretizar uma produção de baixo orçamento. No entanto, eu acredito que tudo sempre acaba sendo algum tipo de ficção com maior ou menor controle do que o diretor deseja criar, deixando ou não algum tipo de fenestração para o acaso, sem que isso necessariamente enalteça ou não, o resultado final da obra.
No filme em questão, o diretor Pascal Tagnati capta com sua lente vários cenários e paisagens da Córsega, uma ilha italiana sob domínio francês há quase 250 anos, onde predomina o idioma corso, o mais italiano entre os dialetos da Itália. A câmera do diretor aparentemente flutua nesse balneário com praias, lagos e vilarejos, onde vários franceses do continente se misturam com a população local durante o período de férias.
Observamos a certe distância adolescentes falando de seus casos amorosos enquanto nadam no lago, jovens conversando com adultos sobre sonhos de futuro ou falta de perspectivas, irmãos que planejam abandonar a ilha, rapazes que comentam sobre o futebol nacionalista agora globalizado da UEFA, crianças que despejam todo seu preconceito e violência contra os visitantes, moradores que desconfiam dos turistas, refugiados que se abrigaram na ilha e prosperaram e imigrantes que de alguma forma adotaram a ilha como um novo lar.
Todas essas situações cotidianas aparentemente sem conflitos importantes são permeadas por um discurso racista e xenófobo que abrange desde o corso que odeia o francês, o branco que despreza o negro, o rico que desconfia do pobre, o intelectual que rebaixa os simplórios, os magros humilham os gordos e os conservadores que cerceiam a liberdade. Como se todo tipo de relação humana já se originasse desnivelada necessitando intrinsicamente de conflito e violência expressando algum tipo de subordinação.
Encontros que só proporcionassem algum tipo de satisfação quando estivéssemos olhando de cima para baixo, cujos olhares jamais pudessem se encontrar ao mesmo nível para nunca podermos nos enxergarmos como iguais. Esses devem ser os resquícios da colonização, seja ela numa ilha italiana do mediterrâneo governada por franceses ou ex-colônias africanas ou americanas. Sentimentos e emoções que estão impregnados em nossa alma, formatam personalidades, ultrapassam gerações e escrevem a história de toda uma sociedade.
Tudo isso está submerso nas belas imagens desse filme sobre um verão na bela ilha corsa, mas poderia muito bem ser imagens de qualquer balneário ou vilarejo turístico brasileiro, onde as belas paisagens eclipsam as dores e os ódios de toda uma população que não ousa olhar para cima.
Crítica por: Fabio Yamada.
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