"FOODIE LOVE" - 2019
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Um seriado delicioso da diretora catalã Isabel Coixet que realizou entre outra pérolas “Minha Vida Sem Mim” e “A Vida Secreta das Palavras”, ambos com a atriz e também diretora Sarah Polley.
Essa premissa de comédia romântica moderninha já foi vista em vários outros produtos audiovisuais, seja no cinema ou para TV. Casais se conhecem e se encontram através de aplicativos de encontros. Conversa vai, conversa vem, desencontros, viés de comunicação, criação de intimidade, crises de relacionamento e conjunção carnal. Todos já vimos muito disso tudo.
No entanto, uma produção da diretora catalã que se assina como cozinheira da seriado, não poderia jamais ser mais do mesmo. Primeiramente, a dupla de protagonistas, é um deleite observar o cortejo entre os dois. Temos “Ele" (Guillermo Pfening) como uma matemático argentino charmoso com cara de bobo, que criou um algoritmo de sucesso que lhe rendeu uma certa quantia monetária, permitindo que ele tirasse uma ano sabático para visitar todos seus restaurante favoritos em torno do mundo. “Ela" (Laia Costa) é uma editora poliglota apaixonada pela cultura e comida japonesa, que tem um passado misterioso que envolve o término de um relacionamento com Jun (Thony Thornburg).
O episódio piloto se inicia com os momentos que antecedem o primeiro encontro dos dois protagonistas, cada um deles ficam elocubrando e revelando seus pensamentos para a câmera sobre suas ansiedades e expectativas em relação ao encontro. Ambos repetem em seus pensamentos a frase “É só um café”, como se isso pudesse diminuir o peso e a ansiedade de um primeiro encontro.
No cenário atual de relacionamentos afetivos pode até soar piegas a idéia de que as pessoas ainda ficam ansiosas em relação a um encontro. Num mundo onde todos trocam nudes, os aplicativos fornecem todos os seus dados e preferências, sua alma e sua aura são utilizadas por algoritmos para darem um match. Não existe espaço para surpresas ou espontaneidade, apenas tempo para consumo e desfrute rápido. Com um monte que quadradinhos na tela da sua mão, como se fossem bombons sortidos de vários formatos e sabores, prontos para degustação; quem afinal de contas vai resistir a provar mais de um ou repetir os mesmo sabores? Quem vai investir o suficiente num relacionamento a ponto de criar intimidade e conhecer todos os defeituosa de seu parceiro? Para que vamos querer nos decepcionarmos depois da imagem perfeita do primeiro encontro? Muitos preferem engordar por sabores diferentes, outros enjoam com facilidade, alguns preferem somente uma mordida para sorver o sabor, mas muitos poucos se arriscam a repetir o mesmo sabor. Seriam esses masoquistas que não sabem viver tudo que a vida moderna proporciona?
Os nossos protagonistas, os ditos millennial foodies, preferem trocar de restaurantes, experimentando um prato novo a cada dia ou capítulo, mas não se incomodam de repetir a companhia. O talento da dupla e a química entre os dois é um espetáculo à parte. Laia que já tinha sido uma grande revelação no filme “Victoria" um longa-metragem em plano-sequência magnífico, dá um show a cada novo capítulo. Guillermo é um grande e versátil ator, que esbanja charme e convence no seu papel de macho fragilizado e inseguro.
A cada capítulo somos apresentados a um novo estabelecimento (bar, restaurante, café, sorveteria) e a um novo prato para degustação. Esse é o elemento procedural da série, majoritariamente filmada em Barcelona, em locações reais, mas que também nos leva a viajar pela França, Roma e Tóquio. Cada capítulo se inicia com uma nova jornada gustativa, apresentado personagens secundários igualmente deliciosos, como a bartender invasiva e pessimista, o casal dançarino do café ou o entregador e seu namorado do restaurante requintado.
No jogo de gato e rato entre a libertária editora reivindica seu direito de olhar para o traseiro do pretendente e o matemática que não se cansa de fazer cagadas e se desculpar logo em seguida, não percebendo que isso faz parte do seu charme natural; o espectador acaba por se identificar com as pequenas inseguranças de cada um, com os dilemas e receios de quem tem medo de se entregar e se machucar uma vez mais.
Todo romântico inveterado salpicado com uma grande dose de pessimismo acredita muitas vezes que mais vale sofrer a dor de um grande amor antigo, do que se aventurar numa nova paixão fulgaz. Por vezes, acreditamos sermos compostos essencialmente por aquela dor crônica, nos deliciamos com cada lembrança dolorosa e temos medo de abrir mão dessa dor com medo não sobre nada de nós mesmos. Valorizamos cada lágrima derramada e cada choro abafado escondido, como se eles fossem pequenos tesouros. Qualquer sorriso ou momento de felicidade pode arruinar esse imaginário e sagrado templo de dor que construímos para aquele velho amor.
A montagem inteligente e dinâmica associada a uma trilha sonora magnífica valoriza cada momento vivido pelo casal, pelo qual não conseguimos resistir a torcer que fiquem eternamente juntos. Talvez por ainda acreditarmos que existe alguma alma gêmea perambulando pelas ruas, vielas e restaurantes do mundo. Um companheiro precioso que nos acompanhe em cada uma das nossas novas investidas gastronômicas diárias, sejam dias doces ou amargos, para todos os paladares.
Crítica por: Fabio Yamada.
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