Crítica: Coisas Verdadeiras

"COISAS VERDADEIRAS" - 2020

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Um filme intrigante e perturbador que desafia o expectador adentrar a vida da protagonista que insiste a todo momento em atirar no pé. 

Já assistimos muitos filmes com esse tipo de protagonistas, filmes que rendem momentos cômicos ou verdadeiras tragédias melodramáticas. No entanto, o filme de Harry Wootliff consegue adicionar alguns elementos surpresas potencializando o desconforto do expectador. Já logo de cara começamos a acompanhar a enfadonha rotina de vida de Kate (Ruth Wilson, sempre maravilhosa) que trabalha em um escritório de atendimento ao público onde ser insultado faz parte da rotina. Ela mora sozinha em uma casa simplória e pouco organizada. Kate tem poucos amigos que insistem em tentar colocar sua vida no eixo, além de pais muito controladores.

A escolha da atriz para esse tipo de protagonista já surpreende o expectador, que está acostumado a ver Ruth Wilson sempre como mulheres fortes e empoderadas. Observar a atriz encarnando uma personagem frágil, depressiva e de baixa auto-estima gera uma sensação de desconforto logo de início, como se algo estivesse fora do lugar.

Kate acaba sendo surpreendida por um cliente que a elogia e a convida para sair. O personagem em questão cujo o nome nunca nos é revelado, ganha o apelido de Blond (Tom Burke). O charme e a impetuosidade de Blond seduz a nossa pacata protagonista, que se entrega a uma relação sexual violenta num estacionamento público. No entanto, conforme a trama se desenrola somos apresentados a alguns pequenos detalhes que colocam em dúvida a existência real de Blond.

Seja pelo desfoque do personagem durante um passeio em um parque, pela falta de informações sobre seu passado, sobre as aparições convenientes ou pelos sumiços incongruentes do personagem. Esses pequenos indícios começam a construir a idéia de que na realidade Blond não seja nada além de um amigo ou amante imaginário de Kate, que surge em sua vida ou sua mente conforme a demanda afetiva da protagonista.

Após a primeira metade do filme, fica mais evidente a instabilidade emocional e mental de Kate, que necessita de um amparo maior da família e dos amigos. Blond ressurge na vida de Kate e ela embarca em uma nova aventura com seu amante que acaba não tendo o desfecho esperado por Kate.

A premissa que reforça a crítica em relação a relacionamentos abusivos aparece aqui de uma forma criativa, onde o vilão ou antagonista apesar de ter um corpo físico, assemelhasse mais a uma idéia ou entidade representando o comportamento machista que vilaniza sua presa, no caso Kate. No fundo, a materialização ou não de Blond não é tão importante assim, o mais importante é o que ele representa para essa personagem frágil, carente e submissa, que acaba se deixando levar por uma ilusão romântica, mas que no fundo não passa de uma relação abusiva. 

O resultado é um filme inteligente e belo que tenta dimensionar o sofrimento e a transformação de uma personagem que insiste em acreditar e perseguir a sua felicidade.

Crítica por: Fabio Yamada.




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