Crítica: The White Lotus

"THE WHITE LOTUS" - 2021

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Uma série surpreendente da HBO que deixa um gosto amargo na boca daqueles espectadores que esperavam consumir mais uma série cômica sobre famílias disfuncionais em férias em uma ilha paradisíaca.

Impossível não se identificar com o universo de outra famosa série do nosso passado logo nas cenas iniciais do primeiro episódio. Um grupo de funcionários do resort havaiano indo até a praia para recepcionar os novos hóspedes VIPs, separando-os em grupos cada qual com seu funcionário exclusivo com suas camisas com estampas florais e cada diálogo terminado com o tradicional “Aloha".

O grupo de funcionários em questão são o gerente do hotel White Lotus, o homossexual Armond (Murray Bartlett, surpreendente), o recepcionista Dillon (Lukas Gage), a terapeuta holística Belinda (Natasha Rothwell) e a trainee obesa Lani (Jolene Purdy). Do lado oposto temos os hóspedes VIPs, a família Mossbacher composta pela empresária Nicole (Connie Britton, linda), seu marido desempregado Mark (Steve Zahn), o filho esquisitão Quinn (Fred Hechringer), a filha rebelde Olivia (Sydney Sweeney) e sua amiga exótica Paula (Brittany O’Grady); a solitária sociopata Tanya (Jennifer Coolidge, maravilhosa) e os recém-casados Shane (Jake Lacy) e Rachel (Alexandra Daddario).

Desde a incomoda abertura com os excêntricos papéis de paredes com ilustrações étnicas ao som de uma perturbadora música incidental todos os caminhos dessa fábula pressupõe um embate de classes sociais, mundos opostos, grupos étnicos e minorias. Todos os caminhos do roteiro por mais conservadores e inofensivos que pareçam ser ao retratar situações rotineiras do nosso dia a dia ou pelo menos da rotina de um turista em férias, sempre e sem nenhuma exceção apresentam uma camada nem tão camuflada de sarcasmo e crítica incisiva ao preconceito e racismo histórico presente em nossa sociedade ou na da americana em questão.

A manipulação usurpadora e humilhante acontecem em quase todos os tipos de relações apresentados, onde sempre existe um perdedor massacrado e em silêncio. Cada um tenta lidar e lutar contra esses ataques constantes a sua maneira, seja através da resiliência, covardia, negação ou revolta/ vingança incipiente.

Mesmo naqueles momentos nos quais acreditamos no qual haverá uma pequena reviravolta ou um momento de suspiro somos pegos de surpresa e tudo vai por água abaixo. Conseguimos nos identificar perfeitamente com esses usurpadores involuntários que se cercam de desculpas para si mesmos e para aqueles a sua volta de que não são responsáveis diretos pelo mal que aflige os menos favorecidos. A série nos apresenta cada um desses supostos vilões em seus momentos de maior fragilidade emocional e sentimental, verdadeiras crises existenciais que também causam sofrimento. Como eu sempre digo: “Todo mundo sofre”, mas realmente tenho que admitir que alguns sofrem melhor que os outros.

Em apenas seis episódios de 50 minutos, os criadores da série conseguem criar um painel de uma sociedade inteira dentro desse microcosmos. Situações costuradas de formas extremamente orgânicas, sem nenhum tipo construção esquemática, todos os personagens interagem entre si criando um verdadeiro ballet sádico/ masoquista. Nós espectadores estamos sempre a espera de um embate final entre os dois lados da sociedade, sim teremos uma vítima fatal que aparece logo dentro de um caixão nas primeiras cenas do primeiro episódio. No entanto, esse embate é apenas o anti-clímax de episódios inteiros de tensão contida e engolidas a seco. 

Um verdadeiro soco no estômago daqueles que acreditam estar do lado certo da história sem nunca ter realmente pisado no território oposto, daqueles que acreditam estar ajudando na construção de uma sociedade melhor e mais equalitária sem nunca ter estendido a mão para ninguém, daqueles que se utilizam da sua voz para bradar gritos de guerra sem nunca ter cedido seu lugar de fala e para aqueles que sempre tiveram uma postura assistencialista para os menos favorecidos colocando-os num degrau inferior de humanidade acreditando piamente que eles precisam de sua ajuda sem nunca ter "descido" um degrau, conviver com esses seus iguais e ter tido a decência de perguntar se precisam de ajuda.

Uma produção que realmente nos faz pensar sobre nosso lugar no mundo e quais máscaras ou discursos utilizamos para amenizar nossas culpas. Tenta nos enxergar aos olhos do outro utilizando uma linguagem a qual estamos afeitos e percebermos como o outro nos vê realmente e talvez, apenas talvez percebermos de que lado realmente estamos dessa história.

Crítica: Fabio Yamada.

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