"MALCOLM E MARIE" - 2021
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Quem nunca participou daquelas DR pesadas? Só de lembrar me dá arrepios. Testemunhar dois amigos lavando a roupa suja fora de casa, na sua frente pode ser bem inconveniente. No entanto, tenho que admitir que observar uma boa discussão com argumentos convincentes que se suplantam um ao outro consecutivamente da poltrona do sofá é um programa delicioso.
Já vimos essa situação em outros filmes (talvez Wood Allen?), um diretor de cinema na noite de estréia de seu filme que tem uma boa recepção do público e da crítica, durante o discurso de agradecimento, agradece a toda a equipe, família, professores e amigos, mas esquece de agradecer a sua esposa companheira pelo seu apoio. Agora imagine mais, a história do filme em grande parte foi baseada na história de vida da esposa (pelo menos ela acredita piamente nisso).
No entanto, não nos é apresentado nada disso, o filme começa com Malcolm (John David Washington - filho do Denzel) e Marie (a estupenda Zendaya) chegando em casa. Uma casa no meio do campo em cima de uma colina com paredes envidraçadas translúcidas, praticamente uma tela de cinema com enquadramentos perfeitos.
Malcolm está eufórico e prolixo, falando sobre tudo relacionado ao seu filme e aos elogios dos críticos. Marie está calada e sisuda, preocupada em preparar um macarrão para o marido comer e fechar a boca. Zendaya não precisa fazer quase nada para demonstrar que está no seu limite e que deseja evitar uma discussão, para não estragar ainda mais a sua noite. Malcolm insiste em querer entender o por que dela não estar festejando com ele. Aos poucos vamos descobrindo que o esquecimento do agradecimento é só mais uma ou a última das pisadas de bola de Malcolm.
Após o estouro do primeiro estopim tornam-se irrefreáveis os discursos e cobranças decorrentes, Marie ressente-se por ter dado a história de sua vida para o marido realizar um filme. Malcolm argumenta que apenas uma pequena parte do filme foi baseada em Marie, que todos os outros fragmentos da história são de antigos relacionamentos que ela nem tinha conhecimento.
A discussões são divididas em blocos em que cada um ataca e contra-ataca, com pequenos intervalos de silêncio, para que tantos os personagens quanto o espectador tenha tempo para absorver o impacto e repensar novas estratégias e argumentos, pesar na balança até onde ele pode testar o limite de seu antagonista. Conforme os blocos avançam os ataques são cada vez mais incisivos e inescrupulosos, cada um deles sabe onde o calo do outro aperta, eles sabem quais botões acionarem para gerar maior impacto e dor. Assim vamos conhecendo um pouco do início e da trajetória desse casal, dissecando uma relação cheia de dor e amor, como qualquer outra.
A casa é completamente compartimentada, como se tivesse sido planejada para filmagens em tempo de COVID, cada um dos personagens tem seus territórios seguros onde tentam inutilmente se defender dos ataques do outro. Não existe como escapar ileso de uma discussão dessas. Sam Levinson, criador do Euphoria, consegue extrair o melhor do texto e de seus atores. Além de conseguir inserir pequenas discussões sobre metalinguagem a respeito da crítica cinematográfica e do público em geral em relação ao trabalho de diretores negros. Afinal, estamos diante do personagem de um diretor negro em ascensão e de uma atriz negra que abandonou a carreira.
A fotografia em preto e branco pode ser apenas um detalhe estilístico, que alguns podem chamar de pretensioso, no entanto, serve para ressaltar a diferença de tonalidade de cores entre os personagens, que apesar de serem negros, aqui soam como branco e preto. Nessa história não existe o certo ou o errado, assim na maior parte das grandes DRs amorosas, somos todos personagens falhos. Existe aquele mais eloquente, que sabe melhor ponderar seus argumentos e aquele que precisa de mais tempo para absorver o impacto e repensar o contra-ataque.
Como alguns dizem não existe o amor, existem somente demonstrações de amor. E nessas batalhas de amantes não existem vencedores, existem aqueles sobrevivem juntos e os que precisam se separar para poderem enfim viver.
Crítica por: Fabio Yamada.
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