Crítica: King Kong En Asunción

"KING KONG EN ASUNCIÓN" - 2020

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Um belo filme do premiado diretor Camilo Cavalcante, vencedor de quatro Kikitos no Festival de Gramado 2020, que tenta diminuir a distância entre os países latinos com o Brasil ao traçar o percurso de um velho assassino de aluguel que tenta se reencontrar com seu passado.

Como o próprio diretor gosta de falar o cinema é feito de encontros e reencontros, a idéia original do filme surgiu de um desses encontros inusitados do destino do diretor com o Andrade Júnior que durante um momento de descontração apresentou uma performance desse personagem o homem-gorila para Camilo há mais de dez anos atrás e assim surgiu esse bicho/homem ou homem/bicho. Acompanhamos esse personagem através da lente que atravessa lentamente o maravilhoso deserto de Salar de Uyuni, as florestas bolivianas e o chaco paraguaio até finalmente chegar a capital Assunção.

Durante toda essa viagem estamos acompanhados pela sonora e poética narração de uma personagem onipresente conhecedora do passado e do futuro de todos os personagens da tela que podemos chamar de morte ou algo parecido. A língua cuidadosamente escolhida pelo diretor/roteirista foi o guarani, como forma de homenagear e ao mesmo tempo dar visibilidade para uma civilização e cultura indígena que sofre um constante e secular extermínio. Essa audaciosa escolha que pode ser vista por alguns como extravagante ou desnecessária consegue dar alma a esse personagem desalmado. A narração realizada maravilhosamente por Ana Ivanova acompanhada da premiada trilha-sonora de Shaman Herrera dita o ritmo do filme, encaixando-se perfeitamente as imagens que vemos na tela, mas sem necessariamente reafirmar ou reforçar essas imagens, podendo muitas vezes até se contrapor a elas dando ao filme várias camadas de leitura, que somente aqueles que embarcam nessa travessia no coração dessa América esquecida e bela conseguem desfrutar.

A beleza dos planos construídos a partir das paisagens naturais ganha força através da conjunção de pequenos planos intimistas ou pequenos momentos captados quase que involuntariamente pela lente vívida do diretor, construindo um mosaico que transborda verdade por suas pequenas junções que insistimos chamar de rachaduras.

A violência tão festejada em filmes americanos aqui ganham contornos mais perversos, uma violência sem destino, objetivo ou alvo que se enraiza em nossa história desde os tempos da colonização, infiltrando nossos ossos, mentes e almas. Violência que quando banalizada e rotineira é capaz de desumanizar a todos, transformando-nos nesse bicho/homem que segue seus instintos mas incapaz de equilibrar seus sentimentos. Um homem/bicho que somente no fim da vida consegue tomar consciência de sua história, incapaz de corrigir seus erros e sem saber lidar com seus arrependimentos, tenta a todo custo anestesiar sua consciência tão pesada. O bicho/homem não tem outra saída a não ser viver carregando suas mazelas seguindo seu instinto de sobrevivência.

Um belo encontro entre dois povos que ao se enxergarem percebem que não são tão diferentes assim, que ocorre em paisagens tão diversas mas que guardam estranhas semelhanças. Um verdadeiro choque de emoções captado e ritmado pelas lentes dessa câmera que a cada exibição na tela faz renascer esse bicho/homem interpretado magnificamente pelo ator Andrade Júnior que faleceu sem assistir na tela sua performance de homem-gorila pela qual ganharia postumamente vários prêmios. Um reencontro com nós mesmos marcado para outros planos, um espelho de várias camadas que aprendemos a chamar de cinema.

Crítica por: Fabio Yamada

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