Crítica: A Escavação

"A ESCAVAÇÃO" - 2021

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Um filme baseado em uma história real sobre a escavação e descoberta do maior tesouro arqueológico em terras britânicas, com exceção é claro dos tesouros arqueológicos saqueados de outros países expostos nos museus de Londres.

Poderia até soar irônico esse discurso ético sobre quem detém o direito de posse sobre o tesouro descoberto a frente de tantos saques realizados pelos honrados escavadores ingleses. No entanto, Ralph Fiennes não é o Indiana Jones e o filme não se trata exatamente (ou apenas) sobre uma escavação arqueológica. Apesar da história ser baseada em fatos reais, o roteiro baseado no romance de John Preston conseguem abordar uma série de acontecimentos complexos, que aparentemente parecem soltos e aleatórios, para criar um denso painel sobre o peso do passado em nossas vidas. Sejam eles memórias de infância, o luto por um ente querido, o passado recente de um evento bélico ou os espólios de um civilização milenar. 

Na história que se passa em Suffolk nas proximidades de Londres às vésperas da Segunda Grande Guerra, Edith (Carey Mulligan, sempre maravilhosa) contrata Basil Brown (Ralph Fiennes, esplêndido) para realizar uma escavação em suas terras. Ambos compartilham um amor de infância pela arqueologia, que se revela durante suas longas conversas. Aos poucos descobrimos que Edith tornou-se viúva logo após o nascimento do filho Robert (Archie Barnes) e que Brown permanece muito tempo longe de sua esposa May (Monica Dolan) absorto em seu trabalho, ignorando suas cartas.

A descoberta da embarcação funeral da civilização anglo-saxônica do século VI serve como painel de fundo para a aproximação iminente da guerra, o final da infância de Robert e da doença terminal de Edith. Na segunda metade da trama, a descoberta de Brown chama a atenção do museu de Londres que envia o arqueólogo Philips para roubar seu trabalho e assumir o controle das escavações. Acompanhando Phillips surgem Stuart Piggott (Ben Chaplin) e sua esposa Peggy (Lily James), além de Rory (Johnny Flynn) um primo distante de Edith que insiste em documentar tudo com suas fotografias.

O diretor Simon Stone consegue pegar uma história aparentemente engessada do passado real e transforma um pequeno fragmento narrativo num belo retrato de uma época, criando paralelos e metáforas entre as várias tramas apresentadas. A linguagem narrativa utilizada pelo diretor pode soar desconexa para alguns, mas dessincronização entre as imagens exibidas e os diálogos apresentados criam uma atmosfera de apreensão, além de adicionarem uma segunda camada de leitura para o que vemos na tela, onde nem tudo que é sentido acaba sendo dito e nem tudo que aparenta acaba sendo verdadeiro.

Estamos sempre tentando desencavar o nosso passado em busca de justificativas ou razões para as situações nas quais nos encontramos hoje. Assim como homenageamos nossos mortos, cultuamos nossas derrotas e fracassos como forma de penitência ou arrependimento, sem nunca, no entanto, extrairmos alguma lição verdadeira disso, incorrendo repetitivamente, quase que instintivamente, nos mesmos erros.

Alguns podem dizer que é o destino ou karma, outros dizem que as respostas estão nas estrelas, mas na verdade estamos sempre nos guiando instintivamente por falsos valores, incapazes de ver ou enxergar a verdade. Estamos sempre querendo negar o passado e criar novas narrativas próprias, acreditando piamente que somos mais inteligentes ou capazes do que aqueles que um dia caminharam por essas terras.

Somos incapazes de aprender com o passado, precisamos errar por nós mesmos, revivendo ciclos de incertezas e fracassos. Assim caminha a humanidade, aos trancos e barrancos, incapazes de sair da própria cova.


Crítica por: Fabio Yamada.

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