Crítica: Candyman

"CANDYMAN" - 2021

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Um verdadeiro filme de terror incrivelmente inteligente e perturbador que consegue aterrorizar tanto pelas cenas de violência quanto pela violência camuflada e escondida da nossa realidade.

Se o filme original de 1992 dirigido e escrito por homens brancos necessitava colocar uma mulher branca, no caso Helen Lyle (Virginia Madsen), como uma protagonista que se infiltrava em nome da arte dentro de uma comunidade negra no centro de Chicago, talvez para gerar uma maior empatia com o público ou simplesmente para aumentar o choque da violência gerada. Agora em 2021, temos novos acontecimentos históricos e variáveis mercadológicas que permitem escritores e diretores negros expressarem suas idéias e histórias, podendo assim colocar um homem negro como protagonista e não apenas relegado ao antagonista que gera a violência.

Neste filme dirigido por Nia DaCosta, o personagem negro Anthony (Yahya Abdul-Mateen II, fabuloso) adquiri o direito de ser protagonista de sua própria história evoluindo e se transformando dentro do filme a partir do momento que se choca com seu passado ou o passado de uma comunidade ou ainda mais de um população inteira, sem precisar de nenhum personagem branco como interlocutor.

Esse maravilhoso trabalho já se inicia com os letreiros das produtoras invertidos, gerando um estranho incomodo de estarmos fora do lugar, mas que simboliza o que está sendo visto por trás do espelho ou da lente. Após uma cenas inicial que apresenta o passado de um personagem secundário que um dia entrou em contato com o verdadeiro Candyman ou um deles, começamos a acompanhar a rotina de Anthony e Brianna (Teyonah Parris) que se mudaram recentemente para um belo apartamento com janelas envidraçadas em novos edifícios construídos sob o solo onde um dia existiu habitações sociais para uma comunidade negra. O dito processo de gentrificação, que desloca populações pobres de terrenos com alto potencial no mercado imobiliário.

Anthony é um artista plástico em ascensão e Brianna uma curadora de artes em uma galeria famosa da cidade, ambos são negros e aparentemente não sentem-se excluídos por essa sociedade. Anthony está procurando temas para seus novos trabalhos que evidencie suas raízes sem ser necessariamente clichês ou panfletários, segundo Clive (Brian King) o curador sócio de sua namorada.

Ele invade o terreno do que sobrou de uma antiga comunidade e esbarra em um antigo morador local, Burke (Colman Domingo) que lhe conta eventos de seu passado relacionados ao mito de Candyman. No entanto, toda essa curiosidade a respeito do mito surgiu após um excêntrica apresentação de Troy (Nathan Stewart-Jarret), o irmão homossexual de Brianna, sobre o incidente de Helen naquela mesma comunidade décadas atrás.

Os assassinatos se iniciam após Candyman ter seu nome invocado cinco vezes em frente a um espelho, eles evoluem em uma espiral crescente assim como o trabalho de Anthony e tem como ponto de convergência o próprio corpo do artista plástico e seu passado. Assim como determinado personagem pronuncia em determinado momento do filme, o monstro que se esconde por trás do nosso reflexo no espelho.

Tanto a direção de arte, efeitos especiais, fotografia, montagem e cenografia se esforçam ao máximo para imergimos no universo de ser mitológico, que acaba se tornando um verdadeiro tipo de super herói que a comunidade negra necessita, o herói real e possível. Um herói muito mais próximo da realidade do que aquela utopia africana da Marvel. Um jogo de espelhos e reflexos deslumbrantes onde ironicamente o agente da violência fica invisível a olho nu, revelando-se somente em nosso reflexo do espelho.

Um filme desconfortável que demonstra que verdadeiros mártires são necessários para não nos deixarem esquecer da luta contra o preconceito e racismo. Lembrando-nos a todo momento que estamos no lugar errado ou no território inimigo, pois afinal as aparências enganam e podemos nos acomodar e nos sentirmos confortáveis sentados em cima de uma bomba, acreditando erroneamente que estamos adaptados, invisíveis e aceitos por essa sociedade que insiste em nos violentar continuamente.


Crítica por: Fabio Yamada

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