"SWEET TOOTH" -2021
Uma série da Netflix baseada em uma sinistra e apocalíptica da Vertigo lançada entre 2009 e 2013, adaptada para TV pelo maravilhoso Jim Mickle, que já havia dirigido o incrível “Somos o que Somos”.
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A série que tem sido apelidada por alguns como o “Bambi" no universo de “Mad Max” possui uma aura extremamente otimista para contar uma história realmente tenebrosa, ainda mais quando pensamos na pandemia que estamos passando. Tenho que admitir que inicialmente torci o nariz para esse visual “Disney" da série, mas quando descobri o nome de Jim Mickle como criador resolvi olhar com outros olhos.
Na verdade é sobre exatamente isso que devemos pensar a respeito da série, olhar com outros olhos, afinal cada um tem a sua versão sobre os acontecimentos ou sobre a história. Alguns preferem encarar a vida de uma forma mais pessimista, enquanto outro preferem acreditar que existe uma luz no fim do túnel. Isso está refletido em todas as camadas desse projeto, seja pela visão do protagonista, quanto pela opção do criador da série e de seus diretores de adaptarem os quadrinhos de uma forma mais palatável ou suave, como discutiremos a frente.
Na história acompanhamos a vida de Gus (Christian Convery cativante), uma criança híbrida com aparência humana mas com chifres e orelhas de alce, que cresceu isolado na floresta com seu pai Richard (Will Forte), mas que em determinado momento é forçado a abandonar seu lar e percorrer um mundo devastado por um vírus mortal chamado de de flagelo em busca de sua mãe.
Em sua busca, Gus conhece Jepperd (Nonso Anozie), um humano grandalhão que em outros tempos foi um famoso jogador de futebol americano, mas que também sofreu com as mazelas causadas pelo vírus. Na trajetória dos dois, eles são caçados pelos membros de uma seita chamada de Últimos Homens que desejam exterminar todos os seres híbridos, com a justificativa de que foram esses seres que causaram o tal flagelo. Nossos dois heróis acabam sendo salvos por um grupo de crianças humanas fantasiadas de animais chefiada pela Ursa (Stefania LaVie Owen).
Outras duas histórias são contadas paralelamente a epopéia de Gus, uma na qual Singh (Adeel Akhtar) tenta conseguir a cura para o flagelo afim de salvar sua esposa que está infectada e para tanto acaba sendo obrigado a realizar experiências letais com as crianças híbridas; e outra história de Aimee (Dania Ramirez), uma terapeuta que se abrigou no zoológico da cidade e construiu um refúgio para as crianças híbridas.
Claro que temos que ter um vilão personificado na figura do General (Neil Sandilands) que comanda um exército afim de capturar e exterminar as crianças híbridas com a finalidade de ter o controle da tão desejada cura para o que restou da chamada humanidade, que se encontra à beira da extinção.
Eu poderia falar dos belos cenários, da fotografia impecável, do elenco afiado ou até da maquiagem medonha dos personagens híbridos figurantes, que mais lembram os bichinhos da “Parmalat”.
No entanto, o que realmente vale ressaltar são as escolhas de como se contar uma história (ou de como olhar o mundo), principalmente em uma época como a qual estamos vivendo. A HQ na qual a série é baseada é extremamente violenta, com traços e cores assustadoras. Apesar de ter sido publicada há quase uma década, a idéia de um vírus mortal dizimando a humanidade e preservando apenas alguns eleitos que são imunes ao vírus, mas que apresentam características físicas de outros animais, pode ser extremamente pesada. Podemos enxergar a história como uma metáfora para epidemia da AIDS (ou de qualquer outra pandemia), onde sempre teremos as tais fake news que acusam um grupo determinado de ser responsável pela proliferação da doença. Mentiras que muitas vezes podem ser muito mais letais que a própria doença, estimulando o preconceito e a discriminação ao invés de promover a união e a empatia.
Em momentos de guerra, doença ou pobreza geralmente temos o costume de querer arranjar um culpado para nossas dores e invariavelmente escolhemos um grupo minoritário e vulnerável. E nada mais frágil que um grupo de crianças órfãs e com aparentes deformidades físicas, mas poderiam muito bem ser minorias discriminadas pela cor, religião ou orientação sexual.
As nossas fábulas ou contos de fadas são baseadas em histórias bem mais sombrias e tenebrosas, que geralmente são atenuadas pela nossa oralidade ou pelas adaptações de livros infantis. No entanto, o arcabouço com traços terríveis da humanidade permanecem lá soterrados por cores e versos alegres, tornando essas fábulas palatáveis para degustação de uma platéia mais inocente.
Talvez justamente por isso o título “Sweet Tooth” que pode ter duplo sentido na história. Um apelido dado a Gus pelo companheiro Jeep por adorar alimentos adocicados, o tal bico doce, mas que muito bem, pode significar um modo mais otimista e suave de olhar um mundo devastado ou de contar histórias de modo mais alegre com finais felizes.
Crítica por: Fabio Yamada
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