Crítica: Piedade

PIEDADE - 2019

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Um filme primoroso de Cláudio Assis que versa sobre as raízes históricas coloniais de nosso país através de um metáfora com a história de duas famílias devastadas e encurraladas por mentiras de seu passado.

O filme do diretor pernambucano, apesar de apresentar uma estética completamente diferente, apresenta alguns pontos de intersecção com os filmes de outro diretor conterrâneo, Kleber Mendonça Filho com seus “O Som ao Redor” e “Aquarius”. Ambos os diretores estão interessados em analisar o passado colonial de nosso povo, criando metáforas e expondo situações do presente que retifiquem a condição em que nós estamos e permanecemos há muitos séculos.

Na história desse filme temos uma família, cujo patriarca faleceu, que é dona de um restaurante à beira do mar que há muito tempo já não tem o movimento de turistas que um já teve. Isso por culpa, da contaminação da água do mar e destruição da paisagem, que pode ser simbolizada pela proliferação de ataques de tubarões na região (uma bela metáfora para a indústria chamada Petrogreen).



A família em questão é formada por Dona Carminha (Fernanda Montenegro), seus filhos Omar (Irhandir Santos), Fátima (Mariana Ruggiero) e seu neto Ramsés (Francisco Assis Moraes). Eles e outras famílias da região recebem a oferta de Aurélio (Matheus Nachtergaele), funcionário da Petrogreen, para venderem suas terras, como forma de silenciá-los em relação a destruição da praia de Piedade.

Paralelamente, temos a história de Sandro (Kauã Raymond) como um homossexual dono de um cinema pornô no centro da cidade onde os clientes alugam quartos e cabines para fazer sexo. Sandro é pai de Marlon (Gabriel Leone), um garoto que realiza vídeos na internet em protesto contra a presença da Petrogreen  na cidade.

As histórias dessas duas famílias convergem para uma colisão desenfreada, grande parte graças ao personagem Aurélio, que descobre um antigo segredo do falecido marido de Carminha, que envolve uma amante e o roubo de uma criança ainda na maternidade.

O personagem de Aurélio pode ser considerado outra metáfora para o tubarão que ataca nas praia de Piedade, ele não tem escrúpulos e não mede esforços para atingir seu objetivo, que é adquirir as terras ao redor da praia. Um personagem dissimulado homossexual enrustido que em determinada parte da história afirma nunca dormir com o mesmo homem duas vezes.

Assim como nos filmes anteriores de Claudio Assis, o sexo, a questão social e o discurso libertário  estão lá, mais agora em uma embalagem mais palatável para o espectador comum. A poesia verborrágica tão presente em seus filmes anteriores, agora aqui dá lugar à videoarte dos protestos dos adolescentes e as cenas oníricas relacionadas ao mar.

Durante o amadurecimento cinematográfico de um diretor, alguns críticos podem afirmar que ele abandonou suas origens ou se vendeu para o mercado, mas por vezes ele está apenas aparando as arestas afim de conseguir atingir um público maior com suas idéias e imagens. Assim como os personagens do filme, todos nós temos dificuldade em mensurar nossos valores éticos e morais diante de um alicerce tão arenoso como nosso passado colonial. Por vezes. aceitamos uma vida recheada de mentiras e ilusões justamente por nunca nos ter sido oferecido nada diferente do que esses sonhos vazios que tanto perseguimos. 

Assim, como Sandro afirma no final do filme, eu nunca gostei muito do mar, bastava saber que ele estava ali perto ou quando Ramsés impedido de mergulhar no mar, prefere observá-lo através do óculos de realidade virtual ao invés de olhar através da janela o oceano que está a sua frente. Estamos tão perdidos em nossos devaneios que não sabemos diferenciar o que é real e o que é sonho e mesmo quando descobrimos a verdade, muitos ainda preferem permanecer de olhos fechados vivendo em seus sonhos.


Crítica por: Fabio Yamada


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