Crítica: A Mulher na Janela

"A MULHER NA JANELA" - 2021

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Existe um prazer quase transgressor em observar a vida do vizinho, tanto que a primeira coisa que nos vem a mente quando falamos do tema é a imagem de um vizinho tarado com seu binóculos ou a vizinha fofoqueira com seus gatos. No entanto, a pandemia transformou esse  comportamento de espiar ou acompanhar a vida alheia a distância em uma forma de relacionamento socialmente aceitável sem aquela idéia de que estamos cobiçando a vida alheia. Isso é muito bem demonstrado no curta-metragem “Four Roads” de Alice Rohrwacher, onde ela pega uma câmera 16 mm e sai filmando a vida de seus vizinho.

A idéia de reunir um elenco fantástico com Amy Adams, Julianne Moore, Gary Oldman, Jennifer Jason Leigh, Anthony Mackie e Brian Tyree Henry sob a batuta de Joe Wright de “Orgulho e Preconceito” e “Desejo e Reparação” era muito bem aguardada gerando grande ansiedade, mas a obra decepciona por completo, com exceção da cena do curto encontro entre os personagens de Adams e Moore que nos apresenta um vislumbre do que poderia ter sido e não foi.

O início do filme com referências explícitas a Hitchcock, com imagens do filme “Janela Indiscreta” passando na TV de Anna (Amy Adams) já gera uma certa desconfiança no espectador, afinal existem formas bem mais elaboradas de referenciar o mestre, já diria Brian De Palma.

Anna é um psicanalista infantil solitária que sofre de agorafobia. Ela mora com seu gato Punch, a  tia dos gatos, foi abandonada pelo marido que conseguiu obter a guarda da filha, somente essa idéia já gera uma desconfiança do público e da sua vizinha Jane (Julianne Moore) que acabou de se mudar para casa do outro lado da rua, com seu marido Alistair (Gary Oldman) e filho Ethan (Fred Hechinger).

As duas se encontram em cena uma única vez em um diálogo cheio de lacunas e interações enigmáticas, onde impera a sensação de que algo está fora do lugar. A ocorrência real deste encontro norteia todo o filme, no entanto, o clima de tensão desse encontro se dilui e se perde no decorrer das cenas até não sobrar absolutamente nada. 

A câmera fluida do diretor e a direção de arte soberba associada a bela fotografia transformam o apartamento de Anna em um universo a parte, onde assim como a protagonista, os espectadores ficam enclausurados durante quase todo o filme. No entanto, algumas decisões do roteiro e reviravoltas infelizes fazem com que o público nunca embarque na história, talvez por demonstrar exaustivamente os problemas de Anna com medicamentos e bebidas ou por simplesmente as reviravoltas serem estapafúrdias. Anna já se apresenta como uma personagem de percepção não confiável desde as primeiras cenas, por isso os plot twists perdem a força.

Grandes atores são reduzidos a papeis ínfimos quase que figurantes e quando aparecem em tela, quase não tem o que fazer diante do roteiro pobre e cheio de clichês. A produção foi submetida a uma série de refilmagens após reações negativas em exibições teste. Nesse afã de agradar o público, a inserção de novas cenas pode ter comprometido o projeto original, pois me recuso a acreditar que uma equipe tão cheia de potencial possa ter realizado um filme tão descartável.

O que fica é a sensação de que “Janela Indiscreta” continua um clássico e que “Dublê de Corpo” é um fantástico exemplo de homenagem ao mestre Hitchcock. O prazer de observar a vida alheia nunca será perdido, mesmo por que a nossa pequena janela para o mundo, a TV está inundada de notícias trágicas e filmes rasos e pobres. Tanto que a maioria de nós prefere olhar para fora da janela, mesmo por que assim como Anna, estamos impedidos de sair de casa por motivos outros. Talvez justamente para não ficarmos tão intoxicados e alucinados como a protagonista do filme e pularmos da janela. Estamos à beira da janela não por cobiçarmos a vida do outro ou por querermos nos entreter às custas deste; mas apenas observando o mundo, inspirando novos ares e almejando um amanhã melhor.

Crítica: Fabio Yamada

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