Crítica: "His Dark Materials"

"HIS DARK MATERIALS"  2019 - 2020

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Um seriado baseado nas obras Fronteiras do Universo de Philip Pullman apresenta uma embalagem de fantasia e aventura para falar sobre temos muito espinhosos e extremamente atuais, que relacionam a expansão do fanatismo religioso com o obscurantismo científico, através de metáforas e simbolismos belos e criativos relacionados as mitologias ocidentais sobre feiticeiras, espíritos, anjos e universos paralelos.

Na verdade, a impressão que tenho (mesmo sem nunca ter lido os livros que deram origem a trama) é a de que a série e os personagens vão amadurecimento conforme as temporadas passam. 

Na primeira temporada, temos Lyra (Dafne Keen) perambulando pelos corredores e muros de Oxford acompanhada de seu Daemon polimórfico e de seu amigo Roger (Lewin Lloyd). Eles embarcam em uma aventura em busca do tio de Lyra, Lord Asriel (James McAvoy) e tentando descobrir o mistério por trás do desaparecimento de crianças de origem cigana. Em sua empreitada, Lyra conhece o aeróstata Lee Scoresby (Lin-Manuel Miranda), a feiticeira Serafina Pekkala (Ruta Gedmintas) e o urso com armadura Iorek Byrnisson (Joe Tanberg). Além claro de ser perseguida por toda uma instituição político-religiosa denominada Autoridade, comandada por religiosos do gênero masculino que impõem seus dogmas sobre a sociedade, sobrepondo-se sobre qualquer conhecimento científico. Uma das exceções dessa comunidade é a Sra Coulter (Ruth Wilson magnífica), que consegue escalar a pirâmide de poder através de sua astúcia, conhecimento e falta de escrúpulos. Além claro de uma trama paralela em outro universo, onde Will (Amir Wilson) cuida de sua mãe doente (Nina Sosanya), persegue um pai desaparecido (Andrew Scott) e é perseguido por um membro da Autoridade que vija entre os dois mundos, Carlo (Ariyon Bakare).

Uma produção cinematográfica baseada no primeiro dos três livros da série, intitulada de “A Bússola de Ouro” recheada com um elenco estrelar, Nicole Kidman, Daniel Craig, Ian McKellen, Freddie Highmore, Eva Green, Ian McShane, Sam Elliott, Christopher Lee e Kristin Scott Thomas, naufragou nas bilheterias, enterrando por vez as ambições de uma franquia cinematográfica. Fica apenas um vislumbre do quão fantástico poderia então ter sido.

Ao final da primeira temporada, cheia de surpresas e reviravoltas, somos apresentados a vários mistério que permearão o restante da aventura: Qual a real natureza dos daemons? Do que consiste o tão falado Pó? O que lorde Asriel tanto procura nos universos paralelos? Quais as verdadeiras intenções da Sra Coulter com sua filha Lyra? O que tanto a Autoridade tenta esconder da sociedade?

Na segunda temporada, temos o encontro entre Lyra e Will, não sem antes a nossa querida passar por uma grande perda ao final da primeira temporada. Tanto o luto, quanto o conhecimento em ler o aletiômetro (a bússola de ouro) e sua relação com Will, fazem com que Lyra amadureça rapidamente. 

Nesta temporada, somos apresentados a um novo mundo a Cittàgazze (uma mistura de Mont Saint Michel com Costa Amalfitana), local onde os dois jovens acabam se refugiando. Uma cidade, abandonada pelos adultos e habitada por crianças perdidas e espectros mortais que perseguem quem ousa amadurecer. 

A guerra entre a Autoridade e as feiticeiras é instaurada, após a destruição de seu refúgio no floresta. Existe a introdução de uma nova e importante personagem, a Dra Mary Malone, que estuda a matéria negra ou anti-matéria na Universidade de Oxford e entre em contato com Lyra. Ambas descobrem a relação do Pó com o tal Dark Material, que funciona como uma ponte de comunicação entre a ciência e o mundo imaterial. A doutora, ao contrário dos membros da Autoridade, mantém a mente aberta para poder se aventurar em outros mundos passando por pequenas fissuras entre os universos paralelos, sempre carregando consigo seu livro do I Ching.

Will transforma-se finalmente no portador da Faca Sutil, outro objeto importante na saga de Philip Pullman, em um episódio com uma participação especial de Terence Stamp.

Temos agora os dois protagonistas com seus destinos entrelaçados, caminhando em direção a uma guerra contra o obscurantismo. Os objetos mágicos que cada um dos dois carrega permitem uma fonte de conhecimento, que ao mesmo tempo que os torna mais maduro, permite que cada um deles façam as próprias escolhas. Somente através do conhecimento podemos amadurecer e exercermos nosso livre arbítrio. Nessa jornada, Lyra e Will aprendem a fazer suas próprias escolhas a duras penas. 

O auto-conhecimento e nossa definição de personalidade são objetivos que valem a pena ser buscados. Uma sociedade que oculta e segrega o conhecimento impede o desenvolvimento de todos como seres humanos. Cada um de nós tem o direito de escolher o seu próprio caminho e as lutas que deseja travar. Isso somente é possível através do conhecimento. A faca sutil que tem duas lâminas de corte não serve apenas para abrir janelas para mundos diferentes, mas também para cortar nossas próprias carapaças e esses cortes sempre são dolorosos. Assim como o conhecimento que nos abre novas e múltiplas possibilidades, a escolha de um caminho sempre está associada a dor de suas perdas. Afinal uma escolha sempre incorre em muitas outras renuncias, mas que sempre será melhor do que qualquer imposição externa. Amadurecer e crescer sempre é um processo doloroso.


Crítica: Fabio Yamada.

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