Crítica: Years and Years

 "YEARS AND YEARS" - 2019

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Uma série terrivelmente surpreendente que a cada capítulo apresenta uma surpresa desagradável com a qual podemos nos identificar gerando um misto de apreensão e riso. A série fala sobre acontecimentos que assolam uma família na ilha britânica, mas poderiam muito bem estar falando da terra brasilis.

A maior parte dos críticos dizem que necessitamos de um distanciamento histórico para podermos falar dos acontecimentos atuais sem sermos tendenciosos ou levianos, no entanto o que Russel T. Davies faz é justamente o contrário. Ele simplesmente cria, a partir dos acontecimentos mais recentes e dos nossos medos mais profundos, uma história que vai se desdobrando através das datas comemorativas da vida da família Lyons, partindo da época atual em direção a um futuro nebuloso e triste.

Em apenas seis capítulos somos apresentados aos acontecimentos desta (nem tanto) distopia, chegando até o ano de 2034. Na história acompanhamos o insurgimento de Vivianne Rook (Emma Thompson magnífica), uma política populista que diz não entender de política e que fala a verdade doa a quem doer (alguma similaridade?). Ela parte inicialmente representando um distrito, depois cria um partido independente chamado quatro estrelas, entra para o parlamento como uma força de desequilíbrio entre conservadores e trabalhadores, e finalmente ascendendo até o cargo de primeira-ministra.

Paralelamente, temos as histórias de quatro irmãos, Stephen (Rory Kinnear cativante), Daniel (Russell Tovey apaixonante), Edith (Jessica Hynes) e Rosie (Ruth Madeley). Stephen trabalha como consultor financeiro, casado com a contadora Celeste (T’Mia Miller maravilhosa) e pai de Ruby (Jade Alleyne) e Bethany (Lydia West surpreendente), que deseja se transformar em um transhumana (esse dado tem importância vital na trama). Daniel é um homossexual e se casa com Ralph (Dino Fetscher), ele trabalha com refugiados desabrigados e se apaixona por Viktor (Maxim Baldry), um refugiado da Ucrânia que foi invadida pela Rússia e criminalizou o homossexualismo. Edith, inicialmente, é uma figura distante, que apenas é citada pelos irmãos como uma ativista que a cada momento está em um local do planeta, lutando por diversas bandeiras, seja ecológica, social ou liberdade. Rosie é uma nutricionista que tem um deficiência física por ter nascido com espinha bífida, ela é uma mãe solteira e está grávida do segundo filho de um estudante chinês que voltou para China, devido aos últimos acontecimentos, que envolvem a iminência de uma guerra sino-americana.

Todos eles costumam se reunir na casa da avó materna Muriel (Anne Reid) e se comunicam através de um dispositivo que chamam de Signor (Glen McCready) que realiza chamadas coletivas da família. O passado da morte da mãe (que nunca aparece na série) desencadeado pela traição e abandono do pai (que somente é citado e aparece depois de morto) funciona como uma sombra que paira sobre a família e os transforma em órfãos. 

Através de um roteiro com tiradas inteligentes e de uma edição dinâmica, os acontecimentos vão se atropelando, a cada capítulo somos atingidos por uma nova avalanche emocional. Todos os pontos de discussão da atualidade são apresentados e potencializados, os problemas crescem exponencialmente, sejam eles políticos, humanitários, ecológicos, bélicos, tecnológicos ou sociais. 

A capacidade do roteiro de inverter posições, nos colocando no lugar daqueles que agora são oprimidos e rejeitados, criando uma maior empatia com o personagem consegue atingir o objetivo de sensibilizar o espectador. No entanto, o que é mais aterrador é o fato de tomarmos consciência de que realmente precisamos que alguém nos coloque nesta posição para finalmente nos sensibilizarmos com algumas questões de crise humanitária, para deixarmos de enxergar as vítimas apenas como estatística e vermos que aquele corpo no telejornal ou na foto da internet já foi um ser humano um dia.

Em seis capítulos, toda uma realidade se transforma com pontos de origem a partir dos problemas reais de hoje. Nada é descartado, tudo é perfeitamente verossímil e crível. Um discurso realizado pela matriarca no último episódio desmancha o chão sob os nossos pés e tenta criar um senso crítico no espectador, realmente é de cair o queixo e fazer pensar. Afinal de quem é a culpa disso tudo? Todos somos responsáveis em alguma medida por tudo e o que vamos fazer a respeito?

Você não vai assistir nada mais espantosamente tão fantasioso e ao mesmo tempo realista do que este seriado extremamente inteligente e ousado. No entanto, por mais que eu queira voltar a ver esses personagens apaixonantes, sinceramente não desejo uma nova temporada. Pelo menos não por agora (talvez daqui há quinze anos?). Os problemas ali demonstrados tem conexão com a nossa realidade, com o passar de ano em ano poderemos confirmar ou contradizer estas nefastas previsões de futuro, que por enquanto são reflexos de nossos medos, mas que a cada dia se tornam mais reais.


Crítica: Fabio Yamada

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